Apreciar o fado deve ser no silêncio da noite,diz-se. Ele canta o sofrimento, a saudade, o amor perdido, a desgraça, o amor e ciúme, o destino. Falamos do fado menor, sem a menoridade do termo, talvez cantado pela cigana e prostituta chamada Severa, essa cantadeira de fado também instrumentista que fazia chorar as guitarras.
Esse fado típico, hoje produto turístico e que se desenvolveu nas tabernas e nos pátios dos bairros da capital estava também associado à boémia e teve vários nomes desde fado castiço, fado vadio ou fado corrido e embebia-se de emoções e néctares e os seus conteúdos não eram de intervenção social.
O fado moderno teve apogeu com Amáliae e passaram a cantar-se os grandes poetas como Camões, Fernando Pessoa e outros figurões das letras.
O fado de Lisboa, o fado de Coimbra sairam da rota da fatalidade e procuraram por vezes ser fatais no contexto socio-político.
Mas aquele que era um produto barrado pelas fronteiras excedeu barreiras e Mariza, katia Guerreiro,Camanés e outros deram ainda mais folego a esta canção urbana.
O fado vive-se como se ouve e a guitarra chora quando chora e ri quando ri e entender o fado é mais que a interpretação da nossa alma no momento do trinar.
A desgarrada tem tanto de humor como de sarcástico e explode por vezes em dinâmicas que contrariam o sentimento fatalista. Ouvir o fado é certamente bem diferente de ser fadista e quem canta encena e contracena com o seu público. A melancolia desta canção é apreciada em certos momentos e esquecida em cenários do folclore, pelo Malhão, pela Chula do Minho, pelos Sargaceiros de Apúlia ovacionados pelo Pedro Homem de Melo, pelos Pauliteiros de Miranda, estes sim reflexos de um povo.
Vamo-nos deixar destes preceitos tristes que mais projectam as nossas personalidades e embrenhemo-nos nas suas origens boémias de bordéis e tascas, aplaudamos as divas do fado recente e encaremos a parte sem estender ao todo, e aí sim, amesendemo-nos com fartos canecos de alvarinho e nacos de cabrito de Monção, pois o que é bom tem música e sincera devoção. E deixemo-nos de silêncios quando a broa não agrada.
Os panegiristas de certos néctares e de cabritinhos, (não cordeiros, que esses, ignorância bucólica, não saltam entre as fragas das serranias, antes pastam na verdura dos campos), silenciam os temas profundos como os do fatum, simplesmente porque estes nem sequer lhes arrascanham a alma. Confesso, no entanto, que o texto do amigo Alexandre é tão esplendoroso literariamente que vale a pena lê-lo. Só por isso que, no resto e espremido no seu conteúdo, é uma prosa inane, donde apenas escorrem fluxos de mensagens catastrofistas, pessimismo e descabidas lamentações. Entendo que estarão bem inseridas nesta noção de "fado". Eu igualmente provenho de um povo como o de Santo Estevão, com igreja e adro semelhantes, a minha santa mãe que Deus tem, também tentava segurar o muro da fatalidade com uma mão, limpando com a outra grossas lágrimas pela minha partida. Mas, logo depois, a luz e o calor do sol voltavam mais genuínos e mais puros e o curso da vida prosseguia de forma natural e sem esperar pela regeneração de qualquer motor. Nunca gostei das execráveis canções desse tempo, nem de Amálias, nem de fadistas, muito menos, em épocas mais recentes, de canções abrileiras ou revolucionárias. Prefiro antes a modorra e a doce sensualidade dum tango. Abomino a chinfrineira actual que não passa de gritos ululantes e satânicos de seres alienados por frustrações e drogas, congeminadas por mentes geradas no esqualor do desespero e da loucura. Por isso, não é com silêncio que se estará a demolir Antígona e sim porque tragédias nunca me seduziram; importou mais virar-me para Afrodite, não de forma absoluta, é evidente, mas como sendo, na verdade, a essência do fogo sagrado da nossa energia telúrica, da beleza desmedida, da paixão que nos refrigera e nos acaricia como a leve espuma do mar. E, se como diz o Alexandre, tais melodias servem de efémeras alegrias para o povo do meu país, até poderei aceitar tal asserção, porém, e nisso é que estou em desacordo, nunca o considerando um povo triste, enganado ou desorientado. Este povo sabe muito bem o que quer, porque é um povo amorfo, um povo cretino e um povo que possui a manha das bestas. O bom povo que povoou as manhãs e as noites da minha mocidade, diluiu-se ingloriamente nas metástases que corroeram os seus valores ancestrais. Posso admitir, entretanto, que haja um ou outro fado que, pelo vigor da sua mensagem ou pela força da interpretação da sua melodia, se aceite com valoração: e dentre esses assimilei um deles que me marcou sobremaneira:
"… ai, quem me dera, ter outra vez vinte anos … para te amar outra vez".
Tenho estado bem quieto e caladinho mas, de quando em vez, acho que faz bem intervir nestas conversas. E hoje vou ter a ingrata tarefa de me pronunciar sobre os escritos de dois bons e grandes amigos: o Alexandre e o Arsénio, tarefa complicada mas ao mesmo tempo simples pois, o facto de tomar partido por um deles, não implica uma menor consideração pelo outro.
Rendo-me à beleza e à leveza do texto do Alexandre. Simplesmente admirável. Mas já não o acompanho no seu amor pelo FADO. Desde sempre ( isto é: desde que comecei a analizar o mundo que nos rodeia e condiciona ) me conheci a nutrir uma aversão forte a tal género de cantigas.Creio que o meu desamor pelo FADO se deve mais a razões intelectuais e menos a razões estéticas.
Considero o FADO uma canção doentia que só faz curso porque ou somos fatalistas, ou tristes ou com tendência para estados mórbidos.
A despropósito, tive uma namorada espanhola a quem impressionava a tristeza genérica do povo português, que, segundo ela, se manifestava pela música e, essencialmente, através dessa coisa menor a que chamamos FADO
O FADO teve uma grande expansão durante o Estado Novo, tempo em que três "F" foram preponderantes no adormecimento colectivo do povo: Fátima, Fado e Futebol, trio que eu, por minha conta e risco, traduzo por Fátima , Fado e Bola, por me soar melhor. De Fátima já não falo; da Bola também não me parece haver interesse em dizer seja o que for. Resta o Fado.
Já era tempo de fazer uma declarção de interesses: não gosto de FADO. Essa mania que os fadistas têm de chorar as dores deles e as dos outros não me cai bem e, menos ainda, quando alguns lhe chamam a "canção nacional" Não me revejo naqueles letristas menores que rimam amor com flor, coração com paixão, ciúmes com dor de corno etc, etc. O FADO é uma expressão musical, tipicamente lisboeta, que nasceu e se foi impondo num ambiente onde a negrura da vida diária convidava aos copos de tinto, para esquecer, e onde os amores perdidos ou não correspondidos deviam fazer parte das preocupações dos moradores daqueles bairros que, pelo que vê hoje, já teriam então uma qualidade de vida pouco famosa.
Reconheço, no entanto, que AMÁLIA, é um nome incontornável neste País pequenino e que gosto de algumas canções dela, assim como gosto de algumas canções ( fado-canção? ) do Carlos do Carmo, sobretudo de algumas editadas num disco chamado " O HOMEM DA CIDADE " em que a quase totalidade das letras são desse ( grande ) poeta Ary dos Santos, hoje quase esquecido.
A propósito, lembram-se do Tony de Matos,fazendo uns esgares trágico-cómicos, a cantar : "Procuro e não te acho"? Hoje , depois da invenção do Viagra, ele, se calhar, já acharia qualquer coisa..... Ah! Ah! Ah! Ah!. ( Riam-se, caramba, se não fico com a cara à banda )
Caro Alex:
O teu belo texto (literariamente falando) acordou em mim um velho “ódio”. Tenho que deitá-lo fora. Aí vai.
Eu, que nunca fui de extremos, vou aqui vociferar até enrouquecer contra o tal de FATUM ou FADO.
Curioso! Nos tempos de PREC, eu que já na altura era do centro, tive que ver e ouvir homens guedelhudos e mulheres mal “ajambradas” proclamarem a contra-revolução do tal de FATUM ou FADO. Tudo o que cheirasse ao “povo que lavas no rio/as tábuas do meu caixão”, apanhava logo uma rajada de G3. A tal senhora Amália quase que foi enforcada na Praça da Figueira!
De repente, toda a minha gente (os homens e mulheres do PREC incluídos!) puxa da viola e da guitarra e… “bora prá Festa do Avante”!
Hoje, todo o mundo carpe o tal de FATUM ou FADO.
Ele são novos e velhos!
Ele são velhas e novas!
Até o Prince vem ramelar na Mouraria!
Ele são mulheronas de faca alantejana e alguidar de Bisalhães.
Ele é o carpir amores mal acabados com o forte duplo peso no frontispício.
Ele é o arranhar constante da garganta na impossibilidade de fazer alguma coisa na vida para além de andar de dia no gamanço e à noite afundar na tasca!
Penso até que o Velho do Restelo ia, noite fora, cantar o tal de FATUM ou FADO nas vielas do Bairro Alto.
Haja paciência!
Assim nunca mais combatemos o défice!
Abaixo o FATUM! Pum! Pum!
Morra o FATUM! Pum! Pum! PUM!
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