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2010-09-05

manuel vieira - esposende

Apreciar o fado deve ser no silêncio da noite,diz-se. Ele canta o sofrimento, a saudade, o amor perdido, a desgraça, o amor e ciúme, o destino. Falamos do fado menor, sem a menoridade do termo, talvez cantado pela cigana e prostituta chamada Severa, essa cantadeira de fado também instrumentista que fazia chorar as guitarras.

Esse fado típico, hoje produto turístico e que se desenvolveu nas tabernas e nos pátios dos bairros da capital estava também associado à boémia e teve vários nomes desde fado castiço, fado vadio ou fado corrido e embebia-se de emoções e néctares e os seus conteúdos não eram de intervenção social.

O fado moderno teve apogeu com Amáliae e passaram a cantar-se os grandes poetas como Camões, Fernando Pessoa e outros figurões das letras.

O fado de Lisboa, o fado de Coimbra sairam da rota da fatalidade e procuraram por vezes ser fatais no contexto socio-político.

Mas aquele que era um produto barrado pelas fronteiras excedeu barreiras e Mariza, katia Guerreiro,Camanés e outros deram ainda mais folego a esta canção urbana.

O fado vive-se como se ouve e a guitarra chora quando chora e ri quando ri e entender o fado é mais que a interpretação da nossa alma no momento do trinar.

A desgarrada tem tanto de humor como de sarcástico e explode por vezes em dinâmicas que contrariam o sentimento fatalista. Ouvir o fado é certamente bem diferente de ser fadista e quem canta encena e contracena com o seu público. A melancolia desta canção é apreciada em certos momentos e esquecida em cenários do folclore, pelo Malhão, pela Chula  do Minho, pelos Sargaceiros de Apúlia ovacionados pelo Pedro Homem de Melo, pelos Pauliteiros de Miranda, estes sim reflexos de um povo.

Vamo-nos deixar destes preceitos tristes que mais projectam as nossas personalidades  e embrenhemo-nos nas suas origens boémias  de bordéis e tascas, aplaudamos as divas do fado recente e encaremos a parte sem estender ao todo, e aí sim, amesendemo-nos com fartos canecos de alvarinho e nacos de cabrito de Monção, pois o que é bom tem música e sincera devoção. E deixemo-nos de silêncios quando a broa não agrada.

2010-09-01

A. Martins Ribeiro - Terras de Valdevez

Os panegiristas de certos néctares e de cabritinhos, (não cordeiros, que esses, ignorância bucólica, não saltam entre as fragas das serranias, antes pastam na verdura dos campos), silenciam os temas profundos como os do fatum, simplesmente porque estes nem sequer lhes arrascanham a alma. Confesso, no entanto, que o texto do amigo Alexandre é tão esplendoroso literariamente que vale a pena lê-lo. Só por isso que, no resto e espremido no seu conteúdo, é uma prosa inane, donde apenas escorrem fluxos de mensagens catastrofistas, pessimismo e descabidas lamentações. Entendo que estarão bem inseridas nesta noção de "fado".  Eu igualmente provenho de um povo como o de Santo Estevão, com igreja e adro semelhantes, a minha santa mãe que Deus tem, também tentava segurar o muro da fatalidade com uma mão, limpando com a outra grossas lágrimas pela minha partida. Mas, logo depois, a luz e o calor do sol voltavam mais genuínos e mais puros e o curso da vida prosseguia de forma natural e sem esperar pela regeneração de qualquer motor. Nunca gostei das execráveis canções desse tempo, nem de Amálias, nem de fadistas, muito menos, em épocas mais recentes, de canções abrileiras ou revolucionárias. Prefiro antes a modorra e a doce sensualidade dum tango.  Abomino a chinfrineira actual que não passa de gritos ululantes e satânicos de seres alienados por frustrações e drogas, congeminadas por mentes geradas no esqualor  do desespero e da loucura. Por isso, não é com silêncio que se estará a demolir Antígona e sim porque tragédias nunca me seduziram;  importou mais virar-me para Afrodite, não de forma absoluta, é evidente, mas como sendo, na verdade, a essência do fogo sagrado da nossa energia telúrica, da beleza desmedida, da paixão que nos refrigera e nos acaricia como a leve espuma do mar. E, se como diz o Alexandre, tais melodias servem de efémeras alegrias para o povo do meu país, até poderei aceitar tal asserção, porém, e nisso é que  estou em desacordo, nunca o considerando  um povo triste, enganado ou desorientado. Este povo sabe muito bem o que quer, porque é um povo amorfo, um povo cretino e um povo que possui a manha das bestas. O bom povo que povoou as manhãs e as noites da minha mocidade, diluiu-se ingloriamente nas metástases que corroeram os seus valores ancestrais. Posso admitir, entretanto, que haja um ou outro fado que, pelo vigor da sua mensagem ou pela força da  interpretação da sua melodia, se aceite com valoração:  e dentre esses assimilei um deles que me marcou sobremaneira:

"… ai, quem me dera, ter outra vez vinte anos … para te amar outra vez". 

2010-08-31

Alexangre Gonçalves - Palmela

Caros Gaudêncio e Arsénio: Obrigado pela vossa reacção. Não esperei de modo algum pelo vosso acordo. Direi até que me esforcei por merecer a vossa divergência. O silêncio dos outros falantes, tão generosos a elogiar os alvarinhos e os imaculados cordeiros dessas paisagens, demoliu com a sua indiferença o nome de Antígona, ela que na voz, na beleza melancólica do rosto, no tremor das suas melodias, e até na pureza da sua respiração, afrontou a lei e o poder em nome do povo donde vinha. Talvez um dia isto fique mais claro e mais persuasivo. Quanto a vocês, entendo os vossos pontos de vista, até porque já foram os meus. Há na vida obstáculos de ordem epistemológica que obstruem , na maior das inocências, a transição para o outro lado do rio. Eu tenho na memória uma carreira cancerosa, que atravessava toda a Beira Interior para chegar a minha aldeia. A paragem, junto ao adro da igreja, era precedida por uma curva e uma rampa íngreme. Ao aparecer nesse esforço mecânico, ela roncava estrondosamente, o motor expelia uma fumarada agonizante e todo aquele metálico volume vinha coberto de pó. Ela vinha de muito longe...Eram setenta quilómetros pavorosos, que, para serem vencidos, precisavam de quatro imensas horas. Depois era o ritual do costume. O motorista e o revisor, em solidariedade com aqueles cavalos extenuados, caíam na tasca do Manata e só regressavam depois do motor ter tido o respectivo repouso. O revisor, também ele revigorado e redondo como um pipo, puxava a manivela até o estrondo se ouvir. O motorista assumia as funções de comandante de um navio e arrancava vitorioso e arrogante pela estrada acima. Foi num monstro destes que eu fui para Vila Nova e noutro igual que eu circulei pelas estradas de terra batida até Castelo Branco. A carreira passava pelas aldeias, as mães vinham despedir-se, punham as mãos debaixo do avental e encostavam-se às paredes de granito velho. A camioneta levava tudo, os maridos já tinham fugido, os filhos eram despachados ao ritmo do seu crescimento. As mães ficavam a segurar as paredes, com uma das mãos disponível para acenar um adeus definitivo e a outra para recolher uma lágrima na ponta do avental. Tudo isto me veio à boca, ao ouvir a Amália desse tempo. É um tempo de fome, de campos rapados, de mulheres que vão à ribeira a lavar, que vão ao graveto nos montes. São mulheres cheias de frio, cujo coração foi forçado a ficar viúvo muito cedo. Em consequência, o rosto trigueiro é mortalmente ferido pela paisagem e confunde-se muito cedo com a cor e a dor dos brutos elementos. Algum tempo depois é o corpo que cede e envelhece abruptamente. Sobra-lhes uma alma póstuma, que vai assistir à decadência geral do universo. O meu país partiu para todos os lados. Ninguém é de lugar nenhum. É por isso que as nossas casas têm olhos vazados. E uma tristeza ontológica, que corre nas veias portuguesas. Tudo isto me vem à boca e me cresce em forma de raiva, quando Amália canta. Omito a palavra fado (ou fatum). Estão manchadas de cargas negativas e sob essa capa de "canção nacional" esconde-se muita mediocridade e muita miséria. O estado novo tinha o condão de envenenar os objectos onde tocava. Um deles foi sem dúvida o fado. O PREC, onde estive mergulhado até à medula, não fez melhor. Essa canção sobreviveu nas mãos de editores gananciosos, que apesar disso protegeram e estimularam algum desenvolvimento. Hoje, na democracia possível, mas livres de alguns radicalismos de época, podemos tentar ouvir de novo (ou quem sabe pela primeira vez) ou a Amália ou outros nomes sérios que estão numa profunda renovação/revolução dessa música étnica, genuinamente portuguesa. Os textos são cada vez mais elaborados, assinados por nomes como Davide Mourão-Ferreira, Alexandre O"Neill, Sofia de Mello Breyner, V.Graça Moura, e muitos outros. Como em tudo, é preciso escolher e dar o benefício da dúvida. E ter a humildade de ouvir. Não morro de amores por tudo o que se canta com esse nome. Mas já fui sacudido até ao limite por audições surpreendentes. Cito um clássico de Amália, cantado primeiro por ela e agora numa gravação de Ana Moura. O poema acaba assim: Já não temos fome, mãe. Mas já não temos também o desejo de a não ter. Já não sabemos sonhar, já andamos a enganar o desejo de morrer. Ana Moura (Guarda-me a Vida na Mão, faixa 15) Não quero converter ninguém. Mas defendo que nem só de CLÁSSICA vive o homem. E estas melodias efémeras exprimem as nossa efémeras alegrias e tristezas. E projectam esperança para o dia seguinte. E mordem no coração de um país desorientado, apagado e enganado por lideranças vadias , sem grandeza nem mérito.
2010-08-27

António Gaudêncio - Lisboa

Tenho estado bem quieto e caladinho mas, de quando em vez, acho que faz bem intervir nestas conversas. E hoje vou ter a ingrata tarefa de me pronunciar sobre os escritos de dois bons e grandes amigos: o Alexandre e o Arsénio, tarefa complicada mas ao mesmo tempo simples pois, o facto de tomar partido por um deles, não implica uma menor consideração pelo outro.

Rendo-me à beleza e à leveza do texto do Alexandre. Simplesmente admirável. Mas já não o acompanho no seu amor pelo FADO. Desde sempre ( isto é: desde que comecei a analizar o mundo que nos rodeia e condiciona ) me conheci a nutrir uma aversão forte a tal género de cantigas.Creio que o meu desamor pelo FADO se deve mais a razões intelectuais e menos a razões estéticas. 

Considero o FADO uma canção doentia que só faz curso porque ou somos fatalistas, ou tristes ou com tendência para estados mórbidos.

A despropósito, tive uma namorada espanhola a quem impressionava a tristeza genérica do povo português, que, segundo ela, se manifestava pela música e, essencialmente, através dessa coisa menor a que chamamos FADO

O FADO teve uma grande expansão durante o Estado Novo, tempo em que três "F" foram preponderantes no adormecimento colectivo do povo: Fátima, Fado e Futebol, trio que eu, por minha conta e risco, traduzo por Fátima , Fado e Bola, por me soar melhor. De Fátima já não falo; da Bola também não me parece haver interesse em dizer seja o que for. Resta o Fado.

Já era tempo de fazer uma declarção de interesses: não gosto de FADO. Essa mania que os fadistas têm de chorar as dores deles e as dos outros não me cai bem e, menos ainda, quando alguns lhe chamam a "canção nacional" Não me revejo naqueles letristas menores que rimam amor com flor, coração com paixão, ciúmes com dor de corno etc, etc. O FADO é uma expressão musical, tipicamente lisboeta, que nasceu e se foi impondo num ambiente onde a negrura da vida diária convidava aos copos de tinto, para esquecer, e onde os amores perdidos ou não correspondidos deviam fazer parte das preocupações dos moradores daqueles bairros que, pelo que vê hoje, já teriam então uma  qualidade de vida pouco famosa.

Reconheço, no entanto, que AMÁLIA, é um nome incontornável neste País pequenino e que gosto de algumas canções dela, assim como gosto de algumas canções ( fado-canção? ) do Carlos do Carmo, sobretudo de algumas editadas num disco chamado " O HOMEM DA CIDADE " em que a quase totalidade das letras são desse ( grande ) poeta Ary dos Santos, hoje quase esquecido.

A propósito, lembram-se do Tony de Matos,fazendo uns esgares trágico-cómicos, a cantar : "Procuro e não te acho"? Hoje , depois da invenção do Viagra, ele, se calhar, já acharia qualquer coisa..... Ah! Ah! Ah! Ah!. ( Riam-se, caramba, se não fico com a cara à banda )        

2010-08-27

Arsénio Pires - Porto


Caro Alex:

O teu belo texto (literariamente falando) acordou em mim um velho “ódio”. Tenho que deitá-lo fora. Aí vai.

Eu, que nunca fui de extremos, vou aqui vociferar até enrouquecer contra o tal de FATUM ou FADO.
Curioso! Nos tempos de PREC, eu que já na altura era do centro, tive que ver e ouvir homens guedelhudos e mulheres mal “ajambradas” proclamarem a contra-revolução do tal de FATUM ou FADO. Tudo o que cheirasse ao “povo que lavas no rio/as tábuas do meu caixão”, apanhava logo uma rajada de G3. A tal senhora Amália quase que foi enforcada na Praça da Figueira!

De repente, toda a minha gente (os homens e mulheres do PREC incluídos!) puxa da viola e da guitarra e… “bora prá Festa do Avante”!

Hoje, todo o mundo carpe o tal de FATUM ou FADO.
Ele são novos e velhos!
Ele são velhas e novas!
Até o Prince vem ramelar na Mouraria!

Ele são mulheronas de faca alantejana e alguidar de Bisalhães.
Ele é o carpir amores mal acabados com o forte duplo peso no frontispício.
Ele é o arranhar constante da garganta na impossibilidade de fazer alguma coisa na vida para além de andar de dia no gamanço e à noite afundar na tasca!
Penso até que o Velho do Restelo ia, noite fora, cantar o tal de FATUM ou FADO nas vielas do Bairro Alto.

Haja paciência!
Assim nunca mais combatemos o défice!

Abaixo o FATUM! Pum! Pum!
Morra o FATUM! Pum! Pum! PUM!

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