2016-05-02
António Manuel Rodrigues - Coimbra
Nota prévia: Este texto foi escrito para a nossa Palmeira de Abril de 2015.
Não foi publicado porque dedicámos algum espaço ao nosso amigo Peinado. Isto foi-me comunicado e explicado mas nem era necessário.
Com a trapalhada dos papéis do Panamá, voltou ele à minha memória e ao meu afecto. Não sei nada de economia a não ser a praticada para governo da minha casa. Não sou militante partidário mas sou político.
Se o texto for publicado e alguém o ler, veja nele a denúncia e o protesto possíveis a um cidadão comum.
Oikos
(casa)
Além das palavras de vida aprendidas com o leite materno, outras, conhecidas depois, por motivos diversos, despertam-nos sentimentos opostos de adesão ou rejeição conforme a carga significativa provinda da sua etimologia ou do seu uso.
A palavra grega oikos, embora não tenha ocorrência autónoma no Português, aglutinada, anteposta ou posposta, entra na formação de palavras referentes a valores perenes e universais.
Economia, ecologia, política, ecúmena, pároco e suas derivadas são, de momento as minhas conhecidas.
Oikos é o primeiro lugar do nosso acolhimento, da nossa construção inicial. Quanto afecto recebemos nesse espaço onde as inevitáveis carências e as primeiras contrariedades da vida, que sempre as há, com o decorrer do tempo e da idade, elas mesmas tornam-se-nos queridas e saudosas.
Alargando progressivamente o conceito de casa, passamos à nossa rua, aldeia, região, país e, por fim, o mundo, especialmente a comum mãe terra que a todos nos acolhe, nos sustenta e verdadeiramente nos irmana.
Temos, assim, a nossa Casa Grande em favor da qual os conceitos e a actuação coerente ligados àquelas palavras deviam concorrer para a boa gestão e administração desta nossa Casa.
De minha parte, consciente e deliberadamente, estou a ser lírico, ingénuo, romântico e idealista. Sei, todos sabemos que o contrário disto, lastimável e contraditória a condição humana, começa frequentemente nesse espaço sagrado – ultrajado – da própria casa. Em termos vulgares é o cada um puxar a brasa à sua sardinha. Depois qual mancha oleosa tudo se vai adensando e enegrecendo.
A partir disto temos a adulteração e a corrupção dos significados etimológicos das palavras: economia, ecologia e política. Por razões óbvias, evidente e convenientemente, deixo de parte as palavras pároco e ecúmena/ecumenismo.
Com a ressalva devida, qualquer ignorante, por isso atrevido, incluso eu, pode falar larga e longamente do trio restante.
A conquista e o exercício do poder, mesmo na conceituada e valorizada democracia, em sucessão diacrónica e paradoxal coexistência sincrónica, foram sempre prorrogativa dos poderosos em força muscular ou outra; dos possidentes em terras, meios de produção ou capital; dos bolsistas onde se alojam os espertos especuladores, eufemisticamente chamados de investidores e, mais recentemente e cada vez com maior incidência e relevância, os promotores dos chamados produtos e veículos financeiros, dos fundos de investimento, offshores e os associados e repugnantes paraísos fiscais. Todos eles explorando o próximo, o antípoda e todos os enjeitados da vida.
Minando e adulterando os conceitos de política e economia, aquela entendida como ocupação de oportunistas e aventureiros, esta praticamente desligada do conceito de boa administração da casa, aí temos nós a ecologia, actualmente quase inócua, à qual restam alguns missionários laboriosos e bem-intencionados mas afastados do poder. (É claro que sei do PEV e da Quercus mas mantenho o dito).
Nestes nossos conturbados tempos, o poder, meio difuso, anda por capitais ainda incertas que hão de revelar-se a Roma ou a Cartago do próximo devir histórico e, sem necessidade de ocupação territorial, estão instalando já um outro imperialismo absolutista que a todos nos vai escravizando.
Um dia a nossa casa vai estar atolada num pântano tão putrefacto e fétido que todos, excluindo os idiotas, teremos de acordar. Por enquanto, os economistas - cartomantes diplomados - continuarão científicos e certeiros nas suas previsões, estudos, estatísticas e gráficos. As circunstâncias externas ou erros de terceiros tirar-lhe-ão a eficácia mas não a chancela científica.
Na política temos a vulgaridade, a mediocridade e de aí para baixo. Por decoro e economia de espaço, neste assunto, ficarei pelo já dito.
Mas haja esperança! Em todo o lado há honrosas excepções. Aqui, ali, mais além, sob as cinzas ainda quentes, há minúsculas brasas das quais ventos propícios e benfazejos, aproveitando pequenas e laboriosas aparas lá colocadas pelos ingénuos e pelos idealistas, hão-de erguer de novo a chama. E a lastimável condição humana, sempre trágica, sempre alternada, há-de de novo usufruir de alguma acalmia, progresso e bem-estar.
Amigos, tempos virão em que os periecos (de novo a palavra oikos), sentirão de, e hão de alimentar em todas as latitudes e longitudes a universal fraternidade humana.
Finalizando, eu, um ser intrinsecamente político, saúdo já desde aqui e agora o tempo em que a ANARQUIA – a utópica ausência de poder, desnecessário devido a um íntegro e completo desenvolvimento do ser humano – há de morigerar um pouco a nossa nobre condição humana. Nobre mesmo nos momentos mais nocturnos mas, sobretudo, nos momentos apolíneos.
Passai bem, irmãos.
António Manuel Rodrigues – Coimbra.