2010-10-03
Aventino - Porro
E tu que partes, partes em busca ou buscas-te? Caminhas um quilómetro e outro quilómetro; e um silêncio e uma ausência; e o sonho e uma alegria; e um repasto e um cabrito; e um encontro e um regresso; e uma tristeza e um outro dia; e um novo dia e um outro sonho e um outro cabrito. E tu que partes, partes? E aqueles que ficaram, como ficamos, numa quinta feira, às quintas-feiras não havias aulas era o recreio e o almoço melhor e o dia melhor e uma esperança e o teu pai e o meu e a minha mãe e a tua e nós à espera que nos viessem visitar e o fim do dia e nada, nada, nada, nada e novamente o silêncio e o jantar e as orações e o dormitório. Agora tu lá caminhas para Arcos de Valdevez, convidado, só tu és convidado, só tu és quinta feira, quem é que pode ir à quinta-feira para Arcos de Valdevez? Também eu já quis ir para Arcos de Valdevez à quinta-feira, quando o corredor era ali adiante, lentamente, um passo, outro passo, o gabinete, a chave a trancar a porta, era quinta-feira e lá dentro eu e ele, uma criança, o silêncio, e o resto. Nesse tempo é que eu queria ir para Arcos de Valdevez, ou para o mar, ou para o mar, ou para o mar, ou para o mar. Nesse tempo o que eu queria era não ir às quintas-feiras, pelo corredor adiante, uma porta, uma fechadura, um trinco e o silêncio. Nesse tempo eu não sabia que havia Arcos de Valdevez, nem Portugal, nem Europa, nem África, nem. Nesse tempo eu amava a minha mãe e o meu pai; eu amava as minhas irmãs e os meus irmãos. Nesse tempo eu amava-me a mim, a criança que eu era e era feliz assim, amando esses que não mais me deixaram amar. Esse tempo era o tempo em que eu ainda sabia o que era o amor. Agora o que eu queria era que não me falasses de Arcos de Valdevez, nem de amizades, nem de encontros, nem de almoços nem de felicidade. E muito menos de quintas-feiras.