2010-10-31
A. Martins Ribeiro - Terras de Valdevez
Olhai os crisântemos!
Como eu adoro essas flores de ouro, como eu gosto do seu perfume incerto e triste, como eu anelo por contemplar essas cores indecisas, esses tons pálidos!
Que lindos são os crisântemos!
São flores da morte criadas para alegrar as tumbas. O seu perfume é bálsamo para as almas moribundas, é olor que faz lembrar o inverno ... e o que vem atrás do inverno? A Morte. A sua cor recorda um coração ferido, uma alma agonizante.
Crisântemos é o mesmo que dizer tristeza, saudade, desengano, desilusão, tumbas, sepulcros. Será por isso que eu amo o seu perfume, que eu gosto das suas cores? Sim, talvez, porque eu temo a Morte e sinto-me amarfanhado com a Morte!
Vês, Elisa? Sabes o que eu enxergo e contemplo?
Um cemitério, um sepulcro, uma tumba!
Onde?
O cemitério onde está?
E a campa onde está também?
O cemitério és tu, minha adorada, o jazigo é o teu coração.
Outrora, num momento de ventura que já vai distante, longe, perdido no nevoeiro da saudade, nasceu no meu peito um amor tão esbraseado como o astro de lume que mergulha nas águas ao entardecer, tão febril como o delírio de um moribundo, tão duradoiro como a eterna fornalha.
E tu, insensível, questionas:
Mas porquê o teu lamento?
Porquê? Ainda perguntas, Elisa?
O vento gélido da tua indiferença o secou e queimou como a escarcha regelante queima os gomos tenros dos rebentos.
O meu amor foste tu quem o matou, amada Elisa.
Por isso, neste dia de finados eu olho para o teu coração, doce Elisa, como o cemitério desse meu amor, onde ele repousa inerte, frio, esquecido. Também se erguem para o céu os ciprestes da tua altivez, agitados pelo vento da tua indiferença e desprezo. O meu amor aí jaz no olvido, como qualquer finado sem eira nem beira.
Disse esquecido?
Quem sabe, talvez não.
Todos te esquecem, meu desgraçado amor, só eu me lembro de ti, só eu ao passar por um jardim de crisântemos te relembrei; o seu perfume, a sua cor mo lembraram.
Quem matou esse amor?
Foste tu, Elisa.
Quem lhe cavou a sepultura?
Tu, apenas tu.
Peço-te, porém, que ao menos neste dia de finados me deixes pôr no cemitério da tua alma, onde descansa o meu amor, um ramo ou uma coroa de crisântemos doirados.
Foste tu quem o matou, por isso, chora ao menos uma lágrima de piedade, mesmo fingida, lembra-te dele nem que seja só por um instante.
Aceita um ramo de crisântemos.
Como eu adoro essas flores, o seu perfume, a sua cor, talvez porque respeito a Morte ... e o meu amor morreu!
Mas não vive?
Se a morte nem sequer chega a ser uma interrupção da vida, se todos descansam nos cemitérios, também se pode dizer que os mortos vivem nos cemitérios e lá é a sua morada e a sua mansão. Assim, eu acredito que esse amor aí mora e vive no teu coração, bela Elisa, vive eternamente como um justo porque ele também era justo e como a verdade, que também era verdadeiro, íntegro, sincero.
Certamente nunca irá ressuscitar mas, possivelmente, persistirá no sonho e na saudade, coberto de crisântemos, sempre a cheirar a crisântemos!
Arcos, 1 de Novembro de 1956