2010-11-15
A. Martins Ribeiro - Terras de Valdevez
Contra todas as recomendações dos entendidos que me alertavam para os possíveis perigos de tão grandes cavalarias para o minha idade, manhãzinha bem cedo, por volta das 4 horas, rumei á estação dos comboios de Braga e acomodei-me no confortável alfa pendular. Chegado a Campanhã lá me juntei com os companheiros Peinado, Alexandre Gomes e suas caras metades, mais ainda o Arsénio. Bem instalados, fomos amenizando o tempo da viagem com amena cavaqueira sobre os mais diversos acontecimentos. Da gare do Oriente, passando por lugares emblemáticos de Lisboa e atravessando a ponte sobre o Tejo, pudemos vislumbrar um fascinante panorama do rio e da cidade, parando pouco depois na estação de Pinhal Novo onde era o término da nossa viagem. Lá estavam á nossa espera, não de farda e boné como queria o Peinado, o Gaudêncio e o Alexandre para nos conduzirem até Palmela, á celebrada quinta de Oliveira do Paraíso. Na realidade, o Alexandre possui ali um soberbo recanto, digno dum nababo, que faz jus ao respectivo nome de verdadeiro paraíso. Logo ali deparamos com o grande mestre de culinária Davide, trajado para o efeito e preparando o brasido dum churrasco, donde foram saindo os grelhados de diversas iguarias que a seguir eram saboreadas, bem regadas por grande variedade de generosos néctares, ao redor do magnífico lenho, no dizer do nosso anfitrião, tendo o repasto culminado com as febras grelhadas dum suculento borrego.
Estava o dia turvo e já um tanto fresco quando nos aconchegamos á roda duma alterosa fogueira, cujas línguas de fogo se iam contorcendo no ritual duma dança de sortilégio, crepitando no murmúrio estralejante de coleantes fagulhas. Das cinzas fumegantes foi então retirado um alguidar de castanhas chamuscadas que juntaram o grupo numa confraternização de genuína amizade e deixaram as mãos e os dedos ensarranhados.
Já ao lusco- fusco e em jeito de despedida, houve ainda tempo para ouvir o Alexandre, já um pouco turvado pela modorra de generosas libações, descrever uma inflamada e sugestiva diatribe sobre o seu famigerado salmo 50. E parecia que, nas profundezas dum antro satânico e tenebroso, ecoavam as vozes cavas e enérgicas de másculos varões, entoando lugubremente um pausado cantochão, potencializado pela força intrínseca do latinório e perpassado por um vento arrepiante gerado por látegos de flagelações demoníacas.
Mas, como era preciso andar e passada já a hora dum primeiro transporte, levou-nos o caro Delfim Pinto, na sua viatura particular, de volta á estação do Oriente de regresso ás nossas parvónias. Fomos aguentando conforme pudemos mas, por alturas de Aveiro, o Peinado não resistiu e deixou-se induzir pelo canto do noitibó até á saída em Campanhã. Cheguei a temer que só acordasse em Braga, mas não, e tudo acabou em bem.
Afinal as previsões pessimistas sobre a minha resistência mostraram-se infundadas, e tudo se tornou para mim numa acção gratificante por me ter permitido recordar e reviver outras peripécias da minha vida passada.
Ontem passei a tarde a editar um pequeno filme do acontecimento e, como dizem que uma imagem vale mais que mais que mil palavras, aconselho toda a gente a ir vê-lo ao nosso site onde o nosso Vieira já o carregou.