2010-11-22
A. Martins Ribeiro - Terras de Valdevez
Hoje deu-me para a pieguice e para o desatino. Contudo, nestes dias de inverno, frios e tristes, nada melhor para nos aquecer do que a exaltação do amor.
Então, andai lá e aguentai com um devaneio meu que já vem de longe ... de muito longe!
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Elisa, meu amor ... e se tu voltasses? Que faria eu? Eu para ti não voltarei nunca mais e sei que tu para mim também não voltarás de novo.
Falo comigo mesmo, de noite, sozinho, procurando rechaçar a tua imagem e ao mesmo tempo tentando recorda-la numa doce lembrança.
- Que noites, meu amor, que noites! Custas muito a sair da minha imaginação, custas! Quando adormeço e sonho, lá estás tu; ou só ou na companhia de outras, numa casa que eu fantasio, num lugar que me vem á mente e que eu nunca vi na minha vida, nas rimas de versos nunca feitos, e lá te encontro a ti, no estrangeiro, no fim do mundo, em sítios que pareceria ridículo se os mencionasse; mesmo no céu ou no inferno dou de cara contigo. Mas é um sonho, ás vezes lindo, outras pesadelo negro e pavoroso! Contudo, mesmo assim, eu prefiro ter o pesadelo a prescindir do sonho.
Digo que te odeio, procuro mesmo isso, mas não acredites, Elisa, eu amo-te ainda muito, muito e quanto mais procuro odiar-te, quanto mais procuro esquecer-te, tem certo, mais te adoro e quero, mais me alembro de ti, mais me enlouqueço por ti.
Como poderá isto dar-se? Nem mesmo eu consigo explicá-lo.
Sempre que escuto um trecho de música para dançar, parece-me ver-te a rodopiar alegremente com outro e quanto mais alegre te vejo mais triste eu me quedo. Uma valsa, a doçura de um tango imaginei-me eu a dança-las contigo ... mas como tu és visionário, meu jovem, como tu és simplório! Não vês que tudo isso é devaneio, é quimera?
Elisa, mas ... e se tu voltasses? Que faria eu? E que irias fazer tu?
Oh! Eu? Havia de me lançar nos teus braços, nesses teus braços sedutores, morenos, delicados e deixar-me-ia descansar um pouco das minhas lutas íntimas, nem que fosse por um escasso instante, abandonar-me-ia neles, perdido e alucinado.
E poderia encontrar neles a paz? Creio que sim. Porque se tu viesses, se tu retornasses também, amada Elisa, decerto que virias para te lançares nos meus e me dares essa paz ansiada pela minha alma desde que tu partiste, essa paz que, afinal, também tu procuras.
- Elisa, meu amor, e tu não queres voltar ... não?
Arcos, Março de 1958