2010-10-19
Alexandre Gonçaves - Palmela
Outono de ouro verde em Arcos. Já toda a gente lá esteve um dia, provavelmente como quem passa. Ruas limpas, arborização luxuriante, restauração excelente. Sentar-se à mesa, afogar-se em vinhão e retirar-se no conforto obscuro dum ventre recheado. Havemos de cá voltar, diz ele abundantemente para ela. Mesmo que isto já seja motivo bastante para esta viagem, é preciso dizer com justiça que é pouco demais para um encontro tão doce, tão ecológico, tão intensamente simples. Trata-se dum filme original, com argumento, realização e produção dum clássico da nossa cinematografia amorosa. No auge da sua criatividade, Ribeiro deixou os actores à solta, explorando cada um o seu talento, o seu ritmo, o seu texto. Isto não foi passar por Arcos. Foi penetrar nos seus segredos, beber os aromas da paisagem, entender o silêncio conventual dos granitos. De rua em rua, de igreja em igreja, de memória em memória, o guião foi sendo executado com perfeccionismo e ternura. Comecemos pelo ALVARINHO, sem complexos nem hesitações. Após breves degraus, há uma porta larga cheia de luz e da serena presença da Dona Conceição. O alvarinho acena de longe, como quem diz: venham para aqui. Tenho tanta sede de vós quanta vós tendes de mim. Apoiem-se no presunto e devorem-me com a urgênciqa que a minha frescura reclama. Assim foi. Os actores sabiam de cor o papel e o desempenho foi notável. Porém, as paredes, as mesas, os móveis sequestraram-nos de tal modo o olhar, que se tornou difícil dar ritmo àquela cena. A Dona Conceição, com um jeito específico de intuição e gosto, fez daquele espaço um lugar afectivo e lento. Uma espontânea exposição diversificada de retratos, louças e outros objectos simbólicos trouxe para a sala pessoas e costumes de outras épocas, numa harmoniosa mistura com tempos recentes. Parecia até que os ausentes tinham ido ao café e não demoraria o seu regresso. Ribeiro, gestor titular de todo este universo familiar, era um homem feliz.
Foi então que nos conduziu por ruas e largos, miradouros e monumentos. Destes, não pode ser omitido o nome do Delfim e da sua tasca aristocrática. Os grandes do Reino marcaram presença e deixaram sinais. Tudo ali é memória. O condado bracarense está todo plasmado nas paredes e prateleiras. Delfim sabe disso e não demorará até que acorde na concertina todos os ranchos minhotos de que há memória. Enquanto as malgas se derramavam pelas gargantas abaixo, levantou-se uma onda sonora que perturbou os pés e os corpos dos actores. Seria difícil adivinhar as consequências se o elenco fosse misto. Eternamente proscritos do paraíso, estamos condenados a que nenhuma filha de Deus nos ofereça maçãs enquanto duramos. Enfim, o guião não pára e o realizador dá as últimas indicações. Agora é a cena do cabrito. Tudo decorre na perfeição. O verde tinto esclarece as dúvidas que possam ter surgido, tal é a luz que espalha na sala. Uma espécie de poeira simultaneamente dourada e húmida, que solta a fala e a alegria. É então que começa a palavra e se manifesta a glória dos mortais. Como era previsível, o FIM de "OS SETE MAGNíFICOS" coincide melodramaticamente com Romeu e Julieta a mergulharem num açude rural. Julieta, mais doce do que os marmelos de que é feita, morre desamparada na boca voraz do tosco Romeu. Como todas as histórias amorosas, também esta teria de acabar mal. Não por culpa de Ribeiro, mas pela natureza perversa das coisas.
Concluindo, num dia assim o espírito levanta-se por sobre a miséria dos dias e clama por uma onda de vitalidade que vá de norte a sul e do poente às viçosas terras do nordeste. Pontes e vias rápidas para chegarmos a qualquer lado, eis o programa decretado em Arcos para a próximas épocas!!!