2011-02-04
Alexandre Gonçalves - Palmela
Viajantes de Todas as Ilhas, não acreditem, mas ando sem tempo para afagar os ditos! Eu não sou só aquele agricultor romântico, que anda por aí a destroçar courelas, sem que com isso aumente em um cêntimo o rendimento nacional. Também não direi por onde esbanjo os frágeis dias que nos estão a ser dados completamente à borla. Por pudor, claro! Mas vai-me chegando o tempo para tomar notas. Para me sentar à noite, já fora do recolher obrigatório, diante desta cousa misteriosa e mágica que nos põe a todos em fala simultânea, apesar das mais diversas distâncias. A primeira conclusão é que a Palmeira mexe, ora ostensivamente, ora no mais recatado silêncio. Pressentem-se frutos no ar, quando não directa e subitamente numa helénica mesa, num telefonema demorado, num texto que em segredo medra por aí. Que houve muitas sementes ninguém duvida. Os semeadores largavam cedo o severo leito, adubavam a terra de mil maneiras, jogavam as sementes com gestos redondos e largos. Regressavam tarde a casa e ninguém lhes garantia nem colheitas nem distribuição. Não consta que nos seus armazéns se tenha acumulado o trigo, ou qualquer outro cereal. Se pobres eram, mais pobres foram ficando. E já muitos partiram das suas terras sem verem Sião. Porém, as sementes caíram como puderam nos arados campos e se as circunstâncias forem favoráveis terá ou teria de haver frutos. Eu, o melancólico, aquele que saiu cedo de casa e nunca mais conseguiu regressar, eu acredito que os frutos crescem. Que os campos estão vivos e verdes. Que as árvores erguem vastas e viçosas copas, umas de bucólica sombra, outras com flores e aromas exóticos, outras ainda carregadas de maçãs e tâmaras. Aproveito para saudar o regresso da poesia. E para uma palavra de exclamação para quem a trouxe com gestos excessivos e livres. Como quem se despe diante de tantos olhares ambíguos, que trazem à flor da pele camadas de pudor colegial. Parabéns, Aventino, pelas tuas tempestades súbitas, a resgatar uma intensa e original subjectividade, que jaz frequentemente adormecida no nosso silêncio colectivo. (...) E agora, generosa criatura, a quem a doce alegria da vida mobilizou para aqueles suaves prazeres da mesa, isto é, ó nórdico Peinado, recuso a falta injustificada em que inevitavelmente vou cair, no próximo dia dez, em Poiares. São muitas as razões mas nem uma direi. Existir em privado tem a sua complexidade. Poupo a toda a gente o desconforto duma desculpa. Mas garanto que muito gostaria de repetir a dose. Sou daqueles que vêem na mesa uma herança grega. Portanto altamente recomendável. Desde que seja lenta, líquida e imoral. É nela que floresce a mais pura das amizades. Isso já lhe chega. Quanto aos "mouros do sul", meu caro Sousa Pires, foi um acto de humildade. Como que a dizer, somos infiéis, pouco dados à salvação do mundo. Mas ainda preservamos a memória. E nela todos os amigos, como se fossem eles o nosso passado.