Oh! Bem-aventurado que eu fui por não ter ficado com deletérias sequelas do seminário, nem com a personalidade cheia de mórbidas brotoejas. Nada disso; enquanto lá estive fui-me adaptando à sua vivência, fui comendo o que me davam e calando o que me mandavam. Poderia ter havido para outros motivos de escândalo, motivos de esconjuro, motivos para ter de sentir ainda hoje algum ferrete de ignomínia e recalcamento, mas eu apenas direi: bendito seminário de Cristo-Rei que me deu quase tudo do que fui na vida. Poderia, na verdade, não ter sido muito, mas esteve conforme o tamanho da minha ambição; por isso, o bastante. Apesar de tudo o que dizem, senti-me (e fui) sempre um homem livre. Reconheço, no entanto, que as coisas devem ser encaradas através de várias perspectivas e, por isso, admito sentimentos e reacções diferentes das minhas e posso dizer-vos que eu nunca me deixei castrar e, libertando-me da lei da rolha, pude sentir mesmo e sem preconceitos os ditos amores da juventude. Creio que, nesse aspecto, as gerações mais recentes dos seminaristas da Barrosa foram bem mais favorecidas que a minha já que, segundo me apercebi, puderam conviver de forma mais descontraída com o elemento feminino. Mesmo assim não os invejo porque eu soube dar-lhe a volta e nunca me queixei. Claro, posteriormente, fora desses muros, pude então desforrar-me bem das restrições passadas.
Verifico que ao Vieira lhe deu hoje para, de forma erudita, filosofar sobre o rapanço de tachos e cantar o fado corrido da chouriça e das possíveis iguarias do Albertino; ainda bem, porque esse é que é fado que se cante, fado corrido e marialva, e não o da “desgraçadinha”, fado triste que certos meninos dos seminários que não souberam construir a tal carapaça protectora de que fala o nosso Presidente, ainda hoje cantam, em tom fatalista e lamurioso, frustrações e traumas simplórios; mas eu não. Embora prefira ser comido pela terra pois tenho isso como um fim mais bíblico e prosaico, creio mesmo que e como entende o companheiro Peinado, até ser “cromado” cederei sempre ao pecado da gula e, não querendo ser indiscreto, a muitos outros pecados considerados ainda mais escabrosos.
Assim sendo, que venha rápido o nosso Encontro para nele vivermos a alegria da amizade e cometermos, ao menos e já sem os dentes de outrora, o dito pecado da gula. De resto e como reza o “Borda d´Água”, Deus super omina!
E que viva o Amor!
Esta ' mui nobre arte de bem rapar todos os tachos' não tem só marquesa na Clínica do senhor Albertino pois vivemos em território farto de bons medicamentos, mas que dá para aguçar os dentes e reagir de forma pavloviana, lá isso dá.
Não sou muito farto em aceder ao passado por livre arbítrio mas não estarei imune às colagens subconscientes aos lugares da Quinta, nomeadamente ao seu refeitório onde destrinço uma chouriça preta de acidez avinagrada q.b., bem melhor do que as que eu não comia em casa e que nunca mais achei em parte alguma. Não sei se seria exclusivo de fabrico local pelos bons "irmãos" que suavam as estopinhas para alimentar aquela boa cambada.
Os nossos "conventos" deixaram marcas diferentes em cada um dos meninos e dos adolescentes pois os denomnados "jovens" já tinham construído a sua carapaça protectora, com as ferramentas genéticas e alguma experiência de internato.
Se alguns se foram da lei da rolha libertando, como simulara o poeta, outros ainda hoje vivem marcadamente arrolhados, qual colheita de muitos anos tamponada pelo tempo e que permanecem com cara de padre, como se isso fosse marca gravada por ferro em brasa.
Outros transpuseram essa marca mas fazem questão de trazer sempre à tona, como faz a fadista, ao cantar as lamúrias do destino, ao entoar em tons menores a fatalidade, essa desgraça ambulante que não descansa pelo uso repetido nos palcos daquele desassossego militante que assoma às janelas da vida. (isto é que é falar)
É o lado emocional que se não quer esquecer, é a fase da vida lampejada de sonhos e fantasias irrepetíveis, únicas, que nunca queremos afastar... que fazemos questão de relembrar nos momentos de arte criativa.
Parece que Hoje me deu para cantar o fado nestas andanças virtuais. Mas também quero ver se o escuto cantado de outro lado.
1.
O Aventino tem a pena de escrever palavras
como mãos que falam.
Ninguém fica sentado se os seus textos
batem leves na janela da manhã
e acenam e despertam e vos chamam
como um amor infante e proibido.
Não fora assim e os momentos fortes
que aqui passámos mudos e a gritar
teriam sido ausência em tudo e todos.
Um silêncio que não chega a estar calado
para que possamos respirar e quem sabe
ainda vir.
Daí que, lá e aqui, o Medo.
Com letra grande o Medo,
condição de todo o Anjo que é carnal.
De tudo o Medo e de ninguém
que nos ata internamente e nos sufoca.
2.
Em tudo sois iguais aos outros homens.
Excepto no pecado.
Nascestes sem ele como as pedras da montanha.
E em virgindade fostes concebidos.
Depois, viestes ressurgidos de entre os montes.
E aqui estais.
Como se tudo começasse agora mesmo
e gritásseis: Vede como tudo é bom!
3.
Abraçai-vos assim enquanto é tempo.
O Tempo de não ter Medo a ninguém.
Quer partilhar alguma informação connosco? Este é o seu espaço...
Deixe-nos aqui a sua mensagem e ela será publicada!