Apercebo-me que aos nortenhos uma açorda causa quase sempre alguma reacção e isso tem a ver com 2 componentes sensoriais "o aspecto" e "a textura".
Mas bem confeccionada e pouco presa, como diz o Ribeiro, outros 2 componentes "o aroma" e "o sabor" dão-lhe presença magistral numa boa mesa.
A açorda de bacalhau é muito agradável e comi-a recentemente em Castro Verde, muito aguada mas sensaborão e segui um pouco a receita de um chefe experimentado de um restaurante de Évora.
A dita cuja de Monção é receita emblemática daquela vila raiana e o Município pretendeu certificar este prato com o apoio especializado do Politécnico de Viana do Castelo, mas faltou-lhe coragem a preceito, talvez por preconceito linguístico.
A "Foda de Monção" foi trocada pelo "Cordeiro à moda de Monção" pois entendeu ser pejorativo o termo, que a meu ver é património gastronómico a proteger com todos os condimentos, incluindo os linguísticos.
Poderia ser Cabrito à moda de Monção, mas a utilização frequente do borrego levou o Município a optar pelo "cordeiro". Assado nos fornos de lenha, alguns comunitários, constava em recipientes sobre o arroz seco, que enriquecia de sabores com as escorrências bem temperadas.
Em terras de Alavarinho e Trajadura, com bom volume, sabor intenso frutado e com uma acidez equilibrada, a refeição vai ser muito bem regada de branco fresco em mesa farta que tão bem caracteriza o Alto Minho.
Com tão refogados prazeres não há viagra que force o vício, tal é a apetência natural para os apetites da boca.
Açorda? Não me faleis! E de bacalhau? Não conhecia! Como dizem os meus netos quando não gostam dalgum prato de comida que se lhes põe na frente, fazendo cara feia …: brrr, avô, “nós não gostar”. Claro que, apesar de traçar quase tudo, de açorda não gosto muito, a não ser mesmo duma açordinha de marisco, não muito presa como, em certo dia, apreciei na Ericeira; essa sim, era mesmo apetitosa. Ah, mas esqueci-me de dizer que, só pelo facto de esta de bacalhau ter sido confeccionada pelo nosso grande “Chefe” Vieira, de certeza que ninguém lhe resistiria, mesmo aqueles que não gostam. E aqui aproveito para o recriminar:
— Vieira, ao menos, podia ter-nos convidado!
Mas, enfim, ocasiões não deverão faltar.
Depois de uma certa ausência gostei muito de ver aparecer por aqui o nosso amigo Peinado e tomei nota da sua determinação em comparecer no meu programado evento, o que me deixa descansado pois, como disse, ele é um dos indefectíveis. Para tranquilizar o Arsénio, é evidente que a data da “cimeira” será marcada depois de se perceberem os interesses dos possíveis participantes e acordada a contento de todos.
Como em tempos certo político apelou a que o “deixassem trabalhar” também eu, como já trabalhei e bastante, apenas pedirei: “deixem-me saborear” o que de bom ainda me resta e posso porque, quando me mudar para o talhão do céu que comprei ao Peinado, sei bem que aí, mais nenhuma dessas extravagâncias será consentida.
Ao fim do dia a minha mulher ligou-me a perguntar se alinhava num bacalhauzinho cozido com uns legumes, acautelando certamente o bom trato de uma dieta mediterranica. Alinhei como convém.
Ao sentar-me à mesa apercebi-me que um tachito medianamente ocupado com água da dita cozedura ia ser despejado. Dei logo voz de comando, alcei o avental, retirei um molhinho de coentros que esmaguei bem esmagadinhos com 2 dentes de alho e sal grosso no almofariz.
Tachinho meio cheio ao lume da vitorceramica, um tomate desfeito em gomos a cozer acolitado pela cebola e bem depois passei-lhe a varinha mágica até a coisa ficar no ponto. Um azeitinho de Vila Flor ou arredores, umas gotas de piripiri e escorrichei a garrafa do vinagre de lentas gotas precisadas.
Desfiz grossamente o bacalhau cozido liberto das espinhas, juntei o esmagamento cheiroso dos coentros abundantes e depos de mais uma fervura adicionei o pão grosso e rústico esfrangalhado em ajuizadas porções.
Agarrei num ovo crú, parti-o e lancei-o na substância escalfando-se. Mais uns minutos e foi servir em prato fundo uma açorda fumegante e gulosa de bacalhau à moda de Évora, do interior alentejano, com aqueles cheirinhos em êxtase que atiçam qualquer mortal. Desculpem lá mas foi um consolo.
Com todo o enlevo um bom minhoto se esfalfa a condimentar uma açorda rica dos confins do alentejo, apreciando os cheiros e sabores da sopa grossa enxuta pelo pão rude.
Depois de lambuzado pela preciosa receita dos confins alentejanos lembrei-me como também o crente desbunda palavras cheias sobre a vivência do ateu, com o mesmo empenho que o fervoroso ateu descreve a fé do convicto crente.
É verdade que também no sul se cozinham uns bons rojões à moda do Minho com a mesma mística que me despertou a açorda à moda de Évora.
Dizia o nosso filósofo e poeta Agostinho da Silva " a única salvação do que é diferente é ser diferente até ao fim, com todo o valor, todo o vigor e toda a rija impassibilidade".
Amigo Peinado:
Que tu não ias ao Encontro só por motivo de férias, já eu sabia pois tínhamos falado poucos dias antes.
Por isso estava descansado. Interpretei aquela referência do Gaudêncio como uma suposição dele e não como uma certeza.
Foi bom ouvir-te. Como sempre.
Para a tal "Foda de Monção" já desde o início estou inscrito no livro de assentos do Martins Ribeiro. Levarei os meus ancestrais apetites e não as miraculosas medicinas de que, felizmente, ainda não necessito.
Só espero que, se for na 1ª semana de Setembro, combinemos com tempo o dia pois tenho dois dias ocupados mas ainda sem confirmação (dias 6 e 7).
É claro que também de "pés debaixo da mesa" se faz a nossa Associação!
Não falharei!
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