António de Montesinos
Faz hoje, 21 de Dezembro, 500 anos que António de Montesinos, em nome da comunidade dos frades dominicanos de La Hispaniola, pronunciou um sermão em defesa dos índios explorados pelos colonizadores da ilha que actualmente é República Dominicana e Haiti.
"Todos vós estais em pecado mortal. Nele viveis e nele morrereis, devido à crueldade e tiranias que usais com estas gentes inocentes. Dizei-me, com que direito e baseados em que justiça, mantendes em tão cruel e horrível servidão os índios? Com que autoridade fizestes estas detestáveis guerras a estes povos que estavam em suas terras mansas e pacíficas e tão numerosas e os consumistes com mortes e destruições inauditas? Como os tendes tão oprimidos e fatigados, sem dar-lhes de comer e cura-los em suas enfermidades? Os excessivos trabalhos que lhes impondes, os faz morrer, ou melhor dizendo, vós os matais para poder arrancar e adquirir ouro cada dia... Não são eles acaso homens? Não tem almas racionais? Vós não sois obrigados a amá-los como a vós mesmos? Será que não entendeis isso? Não o podeis sentir?"
"Bombilla" é o nome que se dá em Espanha a uma vulgar lâmpada eléctrica e, não sei porquê, fez-me recordar um episódio que se passou comigo quando estive no noviciado de Nava del Rey, episódio esse que, a talho de foice, me lembrei de vos transmitir, quanto mais não seja para animar as tropas neste nosso magnífico site.
Nos tempos de agora, toda a maralha fúfia anda numa chieira barata a utilizar o Pai Natal - muito pior o Santa Claus, que horror! - no tempo de celebração do Natal. Tudo muito errado, pois essa figura do velho com barbas não passa de uma criação consumista dos países nórdicos e da América, totalmente desarraigada do contexto cultural e cristão da grande maioria dos povos europeus, sobretudo os do sul. Vejo isso como uma abominação e sempre preferi o tradicional presépio, mais romântico e mais genuíno.
Quando passei pelo seminário de Gaia, todos os anos ficava encantado com os lindos e enormes presépios que lá se armavam, na pequena e familiar capela, num canto junto do altar e que obedeciam sempre a um único e rigoroso esquema: um bosque de pinheiros e abetos onde tremeluziam muitas estrelinhas de celofane colorido iluminadas por pequenas lâmpadas no seu interior, depois uma aldeia de casinhas de papel com regatos e caminhos de serrim, colinas e campos feitos com mantas de musgo onde pastavam reses e muito gado, os seus pastores, bandas de música, zés-pereiras, bonecos todos feitos de barro pintado, montanhas cobertas com neve de farinha e a encimá-lo o curral de Belém, esburacado e agreste, onde repousava o Deus menino, rodeado de Nossa Senhora, de S. José e de todo o séquito de pastores e reis Magos. Nalguns anos até um repuxo tinha, vejam lá! Ficou-me essa magia e mais tarde executei na minha própria casa, para gáudio dos meus filhos e netos, lindos presépios, pequenas obras de arte e paciência onde nem sequer faltava um comboio eléctrico que girava por entre barrancos e atravessava túneis.
Ora nesse Natal de Nava e como eu tinha fama de coca-bichinho nessas coisas - e até me gabava disso - fui encarregado pelo padre Mestre de fazer um presépio nos moldes tradicionais, no coro da igreja do mosteiro. Meti mãos á obra com entusiasmo e denodo e, não querendo deixar os meus créditos por mãos alheias, idealizei um projecto sumptuoso onde nada faltasse. Tudo ia saindo bem: o bosque, as casinhas, os bonecos, o repuxo, as montanhas de musgo e papel pintado a imitar pedras. Porém, no meio disso tudo, surgiu uma dificuldade aparentemente intransponível e que, no meu entender, seria o remate glorioso de tão mirífico trabalho; as estrelinhas acesas e a piscar. As estrelas foi fácil fazê-las, mas na parte eléctrica é que estava o busílis. Eram precisas pelo menos uma vinte e tal lâmpadas das mais pequenas e não se via a forma de as conseguir nem eu tive coragem de as pedir ao Mestre. Mas como a necessidade aguça o engenho, não sei como, calhou de olhar para o altar mor, muito grande, todo iluminado ao redor, de cima a baixo, com centenas de pequenas "bombilhas" todas alinhadas como numa fieira, que davam uma luz do caraças e só de olhar para ele era como contemplar um céu aberto numa noite de luar. Se bem o pensei, melhor o fiz:
― Bem, se eu tirar umas quantas lâmpadas salteadas do meio daquelas todas, ninguém vai dar por isso nem se vai notar!
Pobre de mim, nesse tempo não percebia nada de corrente eléctrica, nem de ligações em série ou paralelo e mal pude imaginar a bronca que dali veio a acontecer quando as foram acender no dia seguinte para a missa da manhã. De repente, nada, tudo escuro, nem uma delas pataniscou sequer ou deu sinal de si. Quando foram ver o motivo do apagão, lá estava a causa; ena, faltava uma porrada de bombillas. Quem foi, quem não foi, quem teria sido … mistério! Claro que eu estava caladinho como um peto e não me descosi. A coisa pareceu esquecida e fui continuando a minha tarefa. Com as estrelas prontas, colocadas e espalhadas pelo bosque do presépio, antevendo o semblante de admiração dos outros noviços, padres, leigos e restante pessoal quando tal maravilha fosse acesa, aprontei-me para experimentar a ligação á respectiva tomada. Desgraça das desgraças; o imponente cenário daquela mirabolante criação minha pareceu rebentar, no meio de um ofuscante clarão e com tal estrondo, como se nele tivesse caído o projéctil de um morteiro. Foi um alarido tal que fez acorrer muitos a verificar a tragédia e, como se tornou claro, fui descoberto e apontado como o autor do surripianço das bombillas do altar mor recebendo, por isso, severa reprimenda das "autoridades" pela minha tratantada.
Não sei se teria sido esse o motivo de, pouco tempo depois, me terem vestido a indumentária de presidiário da Quinta da Barrosa: creio que não, mas não me atrevo a jurar.
Agora, dou-vos poesia. Da boa.
Esta é da autoria duma excelente poetisa: Maria do Rosário Pedreira.
Avó
Ficou vazio o teu lugar à mesa. Alguém veio dizer-nos
que não regressarias, que ninguém regressa de tão longe.
E, desde então, as nossas feridas têm a espessura
do teu silêncio, as visitas são desejadas apenas
a outras mesas. Sob a tua cadeira, o tapete
continua engelhado, como à tua ida.
Provavelmente ficará assim para sempre.
No outro Natal, quando a casa se encheu por causa
das crianças e um de nós ocupou a cabeceira,
não cheguei a saber
se era para tornar a festa menos dolorosa,
se para voltar a sentir o quente do teu colo.
O natal trouxe já páginas excelsas que deleitam a nossa leitura neste precioso recanto.
O natal exorcisa o "damanho do cepo" como cita o Nicolau, de onde brota a fogueira à volta da qual se juntam as almas- Ah, a farinheira esquentada na tigela de barro, o presunto, as azeitonas, o vinho.
O Alexandre estremeceu memórias da Carminho sem botar poemas.
Mas escaldou desejos com a lebre brunida com ervas aromáticas colhidas nas ribeiras de águas limpas.
No derrube da marquise da Nani o Arsénio mencionou as pataniscas de bacalhau inigualáveis e ontem alguém me afirmava que ainda não arranjara o polvo e o congro para a noite de natal.
Alguém dizia que a gastronomia nos acompanha e sustenta desde o nascimento até à morte. Aumenta as delícias do amor, a confiança da amizade, desarma a ira e facilita os tratos e nos oferece, no curto trajecto das nossas vidas, o único prazer que, não sendo seguido de fadiga, nos revigora todos os outros.
O olfacto, o tacto, o paladar e até o amor são indissociáveis do acto de desfrutar uma refeição. É um processo artístico repleto de delicadezas e preceitos, num misto de necessidade e desejo.
Bem, com este argumentário concupiscente pressinto a ofegância do Alexandre num ritual que inscreve o aroma de estevas e frutos do bosque, como ele bem refere na sua Primeira Parte, que encheu a alma do nosso colega Peinado.
Depois da sobremesa com preceitos silvestres e de olhar as musas Carminha e Elisa que ainda vão alimentando sonhos dos nossos comparsas, lembrei-me que só vim por cá para um mero exercício de letra.
Claro que não é assim tão linear pois uma boa conversa por cá merece sempre um copo de brinde à amizade.
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