2019-12-05
alexandre gonçalves - palmela
AAAR QUÊ?
Caro Aventino
Claro! Dias em BRANCO. Memórias vazias. A teoria da redoma acautelou sempre a nossa insolente virgindade. Tudo nos passou ligeiramente ao lado. Nem uma palavra para quem alimentou utopias transformadoras. Passámos pelos anos sessenta como anjos intocáveis. Passámos por abril, como se estivéssemos pedrados de sono. Realizámos na perfeição o poema da Natália. Hoje somos anciãos de fraca extracção, sem termos sido jovens. Sem um erro que nos exprimisse. Em tempos, tínhamos a desculpa de estar sequestrados. Depois de estarmos em autogestão, a nossa força cultural, o ímpeto da nossa intervenção não ultrapassa o patamar do feicebuqismo, essa poderosa máquina de comunicação. Na singeleza de um só conceito, duas poderosas vertentes: o exercício público da caridade cristã, e simultaneamente a devassa metódica da vida alheia.
Vem isto a propósito de José Mário Branco. Habituámo-nos desde meninos a não ouvir as vozes que nos diziam. Nem a suspeita nos ocorria de que as houvesse. Foram José Mário Branco e Natália Correia que reclamaram para o seu tempo, que era também o nosso, os "cornos"para espetar no destino que nos esperava aos vinte anos.
Só um breve apontamentos da Natália, que Zé Mário vestiu de fúria sonora.
Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos o prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência.
...............................................
Penteiam-nos os crâneos ermos
Com as cabeleiras dos avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós.
.................................................
Dão-nos um nome e um jornal,
Um avião e um violino.
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino.
Parabéns, Aventino, pelo exercício atento duma escrita que nos iliba, de algum modo, dessa distracção cultural. Perguntaram-me que associação era a nossa e que objectivos a justificavam. Expliquei as iniciais e referi algumas actividades interessantes. Temos algum jeito para nos sentarmos à mesa. Nas libações não somos dos piores. Não deixamos o sustento por conta alheia. O resto vem documentado no poema "Queixa das Almas Jovens Censuradas" de Natália Correia.