2011-12-18
Nicolau - Oeiras (Soito)
A festa da família está à porta. É Natal! As minhas raízes esperam por mim. A minha aldeia já fumega. E, mais uma vez, o fogo está na base da reunião. Alguns lugares, à volta da lareira, já há muito que são só recordações. Portanto, cadeiras há, em que o vazio se apoderou delas. Só o amor dessas lembranças se faz sentir. Ouçam, apenas, o eco das palavras desses tempos idos: "Vá, atiça aí esse damanho do cepo que teima em não arder! Vou buscar mais uns paus à loja; A lenha é de carvalho e seca como ela está, é só vê-la a arder...; Vou fazer um lume valente, pois não quero que ninguém passe frio." E como a ceia ainda demora, vou assar, na tigela de barro, umas farinheiras. Este ano são boas como o caraças.E olhem que o presunto não lhe fica atrás.O vinho não é do melhor, mas bebe-se... Mas já as as azeitonas são mesmo de comer e gritar por mais." Pelo menos, no Soito, era assim. Era a festa da família. Era o Natal.
Era a noite da consoada. As prendas!!! Para a miudagem, era a noite mais longa do ano. Logo que a manhã clareava, corríamos para a chaminé, para desembrulharmos as prendas. As prendas eram colocadas nos sapatos, colocados em cima do moirão. Naqueles tempos, era o Menino Jesus que descia pela chaminé, para nos deixar as prendas. O valor delas era correspondente ao nosso comportamento, de um ano inteiro. As minhas eram sempre as de menos valor. Pudera! Mas como eu era o benjamim da família, acabava por ficar com o melhor quinhão, pois os mais velhos sempre me doavam alguns excedentes do que tinham recebido.
Depois, muito depois, nasceu o pai natal, importado, sabe-se lá de onde. O lucro destruiu o sonho de se ser criança, na mais mágica noite do ano. Teria sido, nesta altura, que os ricos nasceram e que começaram a subjugar os pobres? Mas não! Ou teriam começado quando a Eva corrompeu o Adão, como uma simples maçã? A partir desta maçã, o consumismo tomou conta de nós.
É por isso e por outras que, actualmente, na minha casa, já há um bom par de anos, não se trocam prendas. Chegámos à conclusão que as melhores prendas são aquelas que recebemos, quando menos se esperam. Detesto as prendas obrigatórias! Assim, privilegiamos, apenas e só, a festa da família, com as vozes misturadas em coro. A alegria baila no ar. As histórias passam de boca em boca. A amizade sai reforçada e do amor faz-se um hino. Mais tarde, outros se lembrarão das nossas frases. Outros vazios irão ocupar as nossas cadeiras.
Mas, hoje, fugindo à regra, quero deixar-vos uma pequena lembrança. Sim, fica aqui uma amostra do CD, gravado na Catedral de Lisboa, pelo Coro com o mesmo nome. Na próxima ida a Palmela, vou deixar um exemplar com o Alexandre, para os peregrinos do amor, pela amizade, ouvirem. E, embora não seja um menino de coro, informo que também aceitei participar, por convite, com a minha voz de Baixo para a gravação. O CD é todo ele dedicado a João Paulo II. O link, apenas contém o 1º. cântico, acompanhado de imagens. Mas, por favor, não me atirem com tomates à cara, quando eu surgir no ecrã. Não sou cantor, mas canto... desafinado! Não sou escritor, mas escrevo... palavras à toa! Não tenho o dom da palavra, mas falo... demais. Não sou amor, mas sei amar... convencido!
A segunda lembrança, vai direita para a minha mãe, melhor dizendo, para as nossas mães, no poema "MÃE" de Miguel Torga, sobejamente conhecido por todos, pelo que não se torna necessário deixar aqui a sua transcrição (está na Net). Um grande bem haja para ela, pela matriz que me deixou, na qual assenta, hoje em dia, todo o meu acreditar. De todo, eu quero continuar a fazer jus a esta herança.
E deixo também o poema "URGENTEMENTE" de Eugénio de Andrade (também está na Net), que tem o condão de me transmitir toda a paz e tranquilidade, quando o ódio e a raiva tentam apoderar-se de mim. Comigo, dá efeito, principalmente, quando a maresia me fustiga, vinda dos mares da Madalena. A areia da praia, já há muito, que desertou. Com ela, também eu parti, quando de calças arregaçadas, até ao joelho, escrevia o mais lindo poema, sobre a areia molhada. Do poema, apenas recordo o seu nome: "Partida para a Liberdade!"
Lá, ao longe, muito ao longe, um barco esperava por mim. Ao leme estava a nudez, esbatida na espuma, de um corpo de mulher. A escultura das suas formas arredondadas estavam em sintonia com a minha pulsação. Sobre os mastros, os corvos, conhecidos pelas suas vestes negras, estavam ausentes. Era um bom presságio. Só os medos, o pecado e a visão de todo um mundo hostil, tantas vezes publicitados, tentaram, em vão, dissuadir-me. Era urgente içar a âncora, soltar as amarras, ler o poema "URGENTEMENTE" e partir... Hasta la vista!
Para todos vós, uma grande abraço amigo, com os votos de um Feliz Natal (à lareira) e um Ano 2012, sem corruptos (???!!!)