2012-03-08
A.Martins Ribeiro - Terras de Valdevez
Sei que há dias para tudo, alguns até fora de toda a razoabilidade, mas, este de hoje, dedicado á mulher, não o podia deixar passar em claro e leva-me a dizer alguma coisa neste espaço. Tive o prazer de receber hoje na minha casa o colega Samorinha e esposa e fiquei emocionado quando, num café onde paramos, as nossas companheiras foram distinguidas por uma representação oficial lá presente nessa altura, com dois lindos e perfumados cravos de tons beges. Um mero gesto simbólico mas de grande significado. Lembrei-me então dum texto que escrevera nos meus fogosos tempos em que a mulher era para mim um portentoso poema que ainda hoje não perdeu a sua beleza. Tende paciência, pois aí vai ele!
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Há maravilhas que são classificadas como tal porque algo as eleva acima da vulgaridade das coisas e entre essas causas que nos ferem a atenção a principal é a beleza do que admiramos. E assim como umas nos prendem de espanto pela grandeza ou nos fazem estarrecer pela monstruosidade ou nos emocionam pela expressão ou nos encantam pela melodia, a beleza conduz-nos sempre ao cúmulo das paixões, que é o amor. Ver uma flor é ver o amor que Deus pôs na sua criação, contemplar um quadro magistral é considerar a simpatia e o amor do artista. E se víssemos um anjo? Há miríades de belezas na terra, mais que as estrelas do céu, sendo cada luzeiro daqueles, só por si, também uma maravilha, porém, a maior beldade que alguma vez existiu e que há-de perdurar até ao desfazer dos mundos, á vista da qual tudo é secundário e cujo brilho ofusca todas as restantes belezas, é a mulher.
Ela é a síntese do mundo. Não há coração mais completo e dentro dele moram todos os sentimentos imaginários; o amor, o ódio, a intriga, a crueldade, o ciúme, a vingança e a fortaleza. O amor que chega a ser sublime quando é de mãe, sentimento mais sagrado de todas as criaturas, tumultuoso, languescente e heróico quando é paixão. Se gosta de alguém torna-se louca até se consumir num delírio febricitante e se deixar perder, impotente, no sorvedoiro da sensualidade. Se a ofendem, ou não perdoará o insulto pondo em campo o seu terrível ódio até chegar a execrável vingança ou, olhando para a sua condição de mulher, é capaz de beijar quem a esbofeteou. Mas, ai de quem lhe cair nas garras! Seria pior do que ver-se atacado por todas as feras mais assanhadas do sertão.
A mulher! A mulher! Ente fraco, miserável e vil, que domina qualquer força com armas tão inauditas que nem exércitos poderosos lhe conseguem resistir. Condição tremenda, mas infelizmente verdadeira!
É cruel como um carrasco amando só quem lhe apetece, por galantaria, por capricho ou por interesse, que ela é incapaz de ter amor verdadeiro. É vaidosa e então julga-se mais que uma rainha e superior a todas as criaturas, desprezando-as com mordaz arrogância, pisando-as e ferindo-as mais dolorosamente do que a chaga de um punhal. É compassível com os infelizes e parece ter um coração mais lato que o mar infindo. É mais doce que o mel, mais meiga que as rolas, mais simples que as pombas, mais sedutora que as serpentes, mais enganadora que a ilusão, mais perversa que o mal, mais vaidosa que o diabo, mais tentadora que o vício, mais bela que os anjos, mais sublime que os monumentos famosos, mais escultural que a arte, mais imponente que os cataclismos, mais insatisfeita que um judeu, mais forte que mil exércitos e mais cara que todos os incomensuráveis tesouros. A mulher tanto é capaz de descer até ao fundo dos abismos da podridão, como de subir até aos píncaros da virtude. Depende dos princípios da sua génese. Ponto final no coração do Homem, miragem muitas vezes do seu desejo. Ela nasceu para o tornar feliz com seus carinhos e meiguices, para o consolar nas suas tremendas desgraças, para o alegrar nas tristezas do cativeiro da existência, para compartilhar com ele todas as agruras e também todos os encantos desta vida, para ser, enfim, aquela eterna companheira até à morte.
E então tu, bela Diva, que foste criada para salvar o Mundo, porque foges tantas vezes dessa tua sublime missão e o conduzes, pelo contrário, ao mais profundo abismo?
Ah! Mas assim como é um deserto, árido e seco, igualmente seria esta vida sem o oásis delicioso dos carinhos e mesmo das tentações da Mulher. Por via disso tudo gira à volta dela, tudo se move com ela, tudo vive para ela e por sua causa!
E eu, mesquinho homem, ao encarar-te, formidável Divindade, fico absorto ao contemplar-te, esfrangalho-me todo como um desesperado que imagina a salvação e não a enxerga nem topa. Cantaria as tuas glórias se pudesse assim como, mais gostosamente ainda, fustigaria os teus defeitos. Se te possuir direi somente: “-sou feliz!”; porém, lembrando-me da tua inconstância hei-de suspirar: “-até quando?” Oh! Mas mesmo assim amo-te, adoro-te, anseio por ti como por um anelo cobiçado eternamente e não me tenho em mim que não exclame no auge do meu estupor:
— Não és tu, Mulher, a maior beleza desta maravilhosa Criação?
Dezembro de 1956