2012-04-04
Alexandre Gonçalves - Palmela
Viajantes do Atribulado Rectângulo:--------------------------------------------------
Apesar da sobriedade virtual, que o irrequieto Francisco teima em subverter, raramente a PALMEIRA agitou tantos gestos como agora. Cada ramo, por mais galho que possa parecer, aponta caminhos, endereços físico-geográficos, perspectivas de longo alcance. Como se a ressurreição do mundo já não fosse um mero conceito teológico, mas antes uma força renovada, tão natural como o verde fulgorante que se alevanta pelos campos. A idade traz-nos a urgência da primavera e a lucidez da mobilidade. Já temos poucos dias para tanto esplendor. Cada qual a seu modo não deixa correr em vão o rio que está a passar por dentro da vida, rente aos sentidos e à memória. É ver lá no alto o Francisco, num tão alto lugar que até eu o vejo desde aqui do sul. Nunca lá fui mas não me glorifico de tão obscura omissão. E agora com as favas, o problema cresce exponencialmente. Elas acordam em toda a parte uma gula fresca, com sabor de água e aroma de vinho verde. Mas em orbacém, nem o paraíso de palmela se resigna. Nem que eu fosse de cavalo. Diz a data, bom "moço", e eu deixarei meus cuidados amorosos e afins, em troca dessa promessa. Levarei comigo o Eça e a fogosa donzela que em tormes serviu o arroz de favas. ---------------------
Não muito longe deste festim, já se ouve a voz do António Peinado. Proclama ele as amplas liberdades que a "ex-reclusão" só agora e por escassos intervalos nos vai dando, em abundantes mesas de fruição gástrico-cultural. Quem participou, comeu alegria e risos e palavras de que os chefes culinários nem suspeitam. Ficámos sem as enguias mas cento e cinco anos à sombra duma maternidade aconchegante, que é interrompida bruscamente, justificam em pleno o cancelamento de Ílhavo. Restam solidários sentimentos que, embora tardios, demonstram sempre a insubstituível amizade que nos vai ligando.-------------------------------------------------
Há ainda o Encontro Nacional de setembro, já alinhavado e com promessas motivadoras. O Sousa Pires até já salta o calendário, a ver se ainda chega a Vila Pouca e a Vidago. Este registo é a garantia dum testemunho irrefutável. A interioridade "telúrica" do nordeste escasseia injustamente nos nossos olhos, já intimidados pelo tempo. Eu creio em vós, meus amigos. "Quando nunca a infância teve infância, o que faz falta é avisar a malta...Quando a raiva nunca foi vencida, o que faz falta é acordar a malta... Quando dizem que isto é tudo treta, o que faz falta é agitar a malta..." Avisar, acordar, agitar, como quem rejeita liminarmente a obscena TV, por onde se destila com subtileza um mórbido veneno e uma sucessão de rótulos gerais, que frequentemente visam a nossa idade. Resistir e avançar, entrar na guerra e treinar os verbos. Denunciar e partir. É a idade do ouro. Como ousam desacreditá-la? A Palmeira é alta e sensível ao vento que vem do mar. E era aqui, longe de atenas e sitiando tróia, que eu me queria deter. Mas pressinto que tanta prosa já esteja desmoronando qualquer hipótese de leitura. Mesmo assim, não posso omitir o sul de que vimos falando. É um excesso. Uma surpresa ardente. Os anfitriões preparam não mais um banquete, nem mais um passeio, nem qualquer outra forma de esbanjar o divino ócio. Destaco três apontamentos, já confirmados por atenta e severa apreciação. Ponto 1. A abertura da paisagem. Não são eles os seus donos mas foram eles que viram a luz, o mar, os laranjais, os amendoais, os barrocais e tudo o que rimar com sugestões mediterrânicas. Chegaram, sentaram-se em cima da paz e beberam por uma concha de cortiça. E disseram: isto não cabe nos nossos olhos. Precisamos de muitos olhos, para que isto não pareça tão infinito. Ponto 2. "Cerca da Aldeia". O Delfim virou fera. Pega numa horrenda retro-escavadora. Atirou-se às irregularidades territoriais. Rasga espaços. Nascem pedregulhos cósmicos. Árvores centenárias e barrocas são amestradas para o evento. Das brutas paredes emergem bíblicos textos que interpretam a alma e o tempo. Ponto 3. O Programa. Por enquanto é um anúncio de intervenções culturais. Eu já ouço duas vozes femininas, temperadas pela mais inebriante tradição clássica, vestindo de seda azul a noite algarvia. E o velho piano, que acumula cordas e sons de eternidade. Diz aos mortais, ó inspirado Telémaco, onde encontraste um corpo tão puro que me lembra o de Ifigénia, antes de ser imolada aos tirânicos deuses? Piano significa corpo de donzela, de teclas de alabastro, onde o Amadeus, vindo dos confins da melhor música europeia, imprime fluências, ritmos e respirações, como acontece em todos os actos musicais de amor.
E para sensibilidades mais viradas para o visível, há as abundantes mesas, que já também elas vão sendo clássicas nos clássicos encontros. Que a notícia se propague e que todos os ARES do quintal exerçam o direito da atenção, para não perderem nem uma gota deste orvalho que atravessa abril!!!