2012-05-14
alexandre gonçalves - palmela
Caro Amigo Francisco
Antes de mais, gloriosas saudações por teres ultrapassado com glória a idiomática barreira precedente, perfazendo com inqualificável juventude uma quantia redonda e serena. Atrasei-me na data, como em tudo na vida. Se me dissessem que tinha outro tanto tempo como o que já se escoou, fazia tudo o que fiz, mas tinha de começar mais cedo. É por isso que me atraso, na vã tentativa de aumentar as horas e o tamanho dos dias. Contradições de quem está indisponível para fazer anos. Já não pratico aniversários, nem meus nem alheios. E a quem me pergunta a data, se acaso for curiosidade feminina, respondo sem pudor que já foi ou ainda está para ser. Mas em se tratando de nós, os que militamos por uma eterna mocidade, acho justo que tomemos a iniciativa de pagar simbolicamente, a quem devemos, o público reconhecimento do seu nome, da sua presença, da sua amizade.
As favas já estavam contadas desde há muito tempo. Mas em maio, elas são não só uma devoção como também um dever. Já te querem canonizar e ainda andas por aí a cavar favas, flores e desejos infinitos de salvar o mundo. Quanto a salvar o mundo, não te acompanho, pois perdi a pedalada. Extraviei-me no caminho. E em se tratando de cristãos, mais depressa lhes recomendava o inferno do que os enviava para o céu. Mas nesta heresia, até penso que estaremos solidários. No teu espírito de subversão geral, na corajosa insubmissão aos pregadores de serviço, também não andaremos longe. Uma diferença: eu mordo cobardemente pela calada. Tu vais para o terreno, sem conforto nem medo das muitas ciladas escondidas. Quanto ao silêncio que tu habitas, somos "em tudo semelhantes", como bocage e camões, na cava, na abstinência, na música pastoril das manhãs, na frugalidade conventual. Assim sendo, proponho um combate sem tréguas contra a santidade. Pois, bom amigo, com esta bandeira e contra todos os vampiros que infestam o território matricial da infância, garanto que no dia 26 serei dos primeiros a chegar. E era óptimo que no morro mais alto de ORBACÉM plantássemos uma bandeira verde, uma palmeira, um carvalho, sei lá eu, uma cousa grande que se visse bem através do verde mais tinto que houver na região. O som de Orbacém rima com tantas lembranças que apetece convocá-las e comê-las como se favas fossem. Com pele e osso. Levaremos o EÇA connosco, para que ele nos descodifique o encanto verde desta ementa, uma espécie de regresso à casa dos avós, isto é, a um portugal puro, cheio de água e de sol.