2020-02-06
alexandre gonçalves - palmela
ÀS VEZES O SILÊNCIO
É de ouro, dizem alguns. O silêncio de maio, ondulando nos trigais ainda verdes. As cachoeiras, vertendo das alturas o som das águas. Os ventos do mar, apagando, nos corpos nus, o fogo do verão. A chuva de março, docemente caindo nos férteis campos, em ritmo vertical. A tristeza húmida, meu amor, em forma de gotas frias, nos teus lábios arrefecidos. O teu rosto, subitamente moreno, encostado aos vidros da janela, na sala de todas as ausências. Os teus olhos magoados, vigiando a noite e a rua, por onde ninguém vai aparecer. O teu corpo inclinado para o tempo, de ventre inutilmente cremoso. Silêncio de mármore, sem uma palavra que entre pelas fendas que o desejo abre. Sem dedos mínimos, que possam tanger o piano da casa grande, com as teclas ainda vibrantes.
Às vezes o silêncio é outra coisa. Um lugar clandestino, num mapa antigo, com dobras excessivas e cães de guarda a protegê-lo. Silêncio lacrado pelo medo. O terror da nudez, numa hora de vertigem. Aí mora o gelo da culpa. E uma inútil abundância de palavras, como quem, em jeito de pudor e levantando a voz, cobre de burel o corpo todo. Quem, na lucidez mínima, ousa pôr em suspeita tanta integridade?
Às vezes o silêncio dói, sem deixar de ser de ouro. Às vezes o silêncio canta, sem deixar de ser metal, coberto de ferrugem.