Com sinceridade o afirmo; gostei mesmo muito do reaparecimento do Gaudêncio neste nosso magnífico espaço, lamentando que a causa da sua ausência tenham sido “atribulações várias” como ele próprio afirma. Caro Gaudêncio se você vê que “La muerte lo está mirando desde las torres de Córdoba” , então que poderei eu dizer? Eu não conhecia este dito de visão agoirenta que, apesar de o achar engraçado, não me queria, contudo, deixar sugestionar por ele. O amigo ainda é um jovem para se lhe afigurar o céu cebola e nem mesmo eu, já muito idoso, sou capaz de alinhar por tão mórbida realidade. Entendo que, nestes casos, se devem aplicar as nossas receitas do costume que tão bom resultado têm dado até aqui e de que o nosso Vieira tanta apologia faz. A talho de foice estou a dizer que o Peinado também demora uns tempos em “voltar” a esta loja, como diz, e já está em tempo de o fazer. Caros amigos, confesso que fiquei de boca aberta com o ingente poema do Aventino, de inimaginável beleza. Sabia que o Aventino era um poeta de grande sensibilidade, mas com esta pequena e delicada pétala me encheu as medidas de simples admirador, para mais incidindo num tema de muita suavidade e que sempre nos enche a alma de ternura. Se houvesse emulação artística e eu a pudesse seguir em relação á sua poesia, caso fosse capaz, que o não sou, diria como o grande Bocage num dos seus belos sonetos de semelhança com Camões:
Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Claro que me estou a referir ao fado apenas do sentimento, nunca ao dos dons da Natureza.
É bom "ver" o Gaudêncio neste diálogo que preenche a ansiedade de escutar os amigos.
O Outono esquenta e os mostos ainda cheiram nas dornas, parece. No Douro ainda amadurecem os tintos nas vides, como refere o Gaudêncio, mas a voragem do tempo leva-nos um destes dias à mesa cheirosa das castanhas assadas e das carnes porcinas de pronunciado tempero. É um distrair e os aromas seduzem-nos em lentos fumos que acalmarão a alma.
O Aventino leva-nos à meninice e li o seu poema com a macieza de uma saudade descalça, que nos faz sentir cada palavra como se fossem passos lentos com os pés desnudados.
Li-o de uma assentada e sentei-me no lajedo frio a lembrar o calor dos seus afectos, como o Aventino, sem teatro.
E se "La muerte nos está mirando desde las torres de Córdoba » que venha a pé e descalça pois o caminho quer-se lento e longo.
Embora não se tenha dado por isso nem a falta se notasse, faz tempo que ando afastado deste sítio de diálogo, de amizade e de convívio. Atribulações várias na vida não me redimem do meu longo silêncio mas ajudam a explicar o meu desmazelo.
Mas estou de volta e começo por elogiar todas ( mas todas sem excepção ) as intervenções dos colegas que têm mantido viva e plena de interesse esta rubrica. Por esse motivo,declaro que me desagrada fazer referências especiais mas, desta vez, vou transgredir.
Começo por realçar as intervenções do nosso Presidente ( da AAAR, claro ) que, para além de interessantes, têm sido inteligentes pois vê-se à légua que muitas delas vão no sentido de estimular estas nossas conversas e de evitar que se instale um silêncio que, por tão prolongado, se torna, por vezes, demasiado ruidoso.
Cronologicamente sigo para a última intervenção do nosso decano, Martins Ribeiro, porque o que ele escreveu, subscrevo-o eu na totalidade. Tal como ele nunca pensei assistir ao que estamos vivendo. Aquela geração que vibrou com os horizontes abertos na gloriosa década de 60, do Século passado, nem por sombras imaginava que os seus sonhos e as suas utopias iriam acabar neste lodaçal pornográfico.
Por último quero falar do poema que o colega Aventino nos ofereceu ontem. Pessoalmente não conheço o Aventino porque, sendo de uma geração mais nova, nunca convivemos na Quinta e, certamente, por qualquer "descoincidência" nunca nos encontrámos em convívio algum da Associação, mas tenho lido e apreciado os vários escritos por ele pospostos neste sítio e este poema, mesmo que seja eu o único a dizê-lo, é excelente , é bonito e tocou-me.
Muitas vezes um poeta escreve só para ele e expressa os seus estados de alma sem pensar, eventualmente, no efeito que o seu sentir provocará em quem o lê. Se foi isso o que levou o Aventino a escrever este poema, eu continuo a dizer que é estupendo. Se não foi, e se o F. Pessoa tiver razão quando diz que " o poeta é um fingidor ", eu insisto e reafirmo que o poema " vale um poema". Mas espero que o Aventino não fique "nas núvens" porque o meu elogio vale o que vale, ou seja, nada.
Agora já tenho outro poema de referência para juntar ao do Miguel Torga que, julgo eu, toda a gente conhece ( Mãe, que desgraça na vida aconteceu que ficaste insensível e gelada..............)
Mudando de assunto : já li algumas referências a castanhas, a vinho novo e a outras coisas que nos vão fazendo salivar mas, cuidado, porque ainda é cedo e ainda faz demasiado calor e o vinho precisa de frio para se aprimorar. E as vindimas ainda não acabaram pois eu acabo de regressar do Douro e vi que as uvas tintas ainda nem todas foram colhidas. Mas como diz o Manel, com vinho novo ou com um "reserva", a uma febrinha, a uma tirinha ou a outra coisa daquelas que nos fazem mal ( mas sabem bem ) nunca se faz uma desfeita.
Se não tivesse que pagar direitos autorais, diria como o meu amigo Peinado : "voltarei" mas eu não tenho dinheiro para isso. Por falar nele quero desejar-lhe uma rápida estabilização sustentável da sua saúde porque, ultimamente, a sorte tem sido bem aziaga para ele. Mas, em pensamento, claro está, vou mandar-lhe uma canelada porque, em tantas conversas que temos mantido ultimamente, só soube do seu aniversário pelo nosso Presidente e à posteriori. Mesmo assim, meu caro Peinado, os meus parabéns e que vivas muitos anitos !!!!!
Eu desejo não viver muitos mais e desconfio até que « La muerte me está mirando desde las torres de Córdoba » o que não me preocupa sobremaneira.
SE A MINHA MÃE VIESSE HOJE BEIJAR-ME
Lembro-me de si, minha mãe.
Dos seus olhos verdes, das suas mãos,
dos seus dias de vida.
Dos seus sins e dos seus nãos.
Lembro-me de si, minha mãe.
Dos poemas que não lhe escrevi,
das vezes que não disse: amo-a, amo-a, minha mãe.
E dos seus silêncios
e das lágrimas que lhe vi.
Lembro-me de si, minha mãe
as flores no canteiro à porta de casa.
O choro da partida,
Tino, vem ver-me mais vezes, vem.
E a senhora, aguada,
perdida,
pela partida.
Lembro-me de si, minha mãe
em todas as lembranças de hoje.
O retrato, as flores, o mármore,
a laje branca e o sorriso,
"eterna saudade de seu filho".
E o seu sorriso mesmo ali, naquele lugar,
ao vento, à chuva e às noites tão longas
e o medo delas, e do escuro, e do cemitério e da morte.
Agora falo-lhe, ajoelho-me,
voltei a menino, fico ali ao seu colo
e falamos.
É claro, da próxima vez trago-lhe gerberas, sim,
e bananas da Madeira e o Porto e o Espumante e o jornal para lermos juntos.
Está bem, minha mãe, está bem.
Da próxima vez trago também o bolo da Teixeira e a pescada fresca
e o Alvarinho e, depois, lá vamos nós.
A tia Maria, o tio Adão e o mar. O mar!
Lembra-se minha mãe, lembra, pois lembra, quando ambos fomos conhecer o mar?!
O longe estava todo ali e a senhora chorava e eu chorava e a senhora dizia
porque choras, meu filho?!,
e eu perguntava, porque chora, minha mãe?!
Vamos ver o mar, vamos?!
É só um instante. O guarda do cemitério vai deixar.
Vou chamá-lo!
(Aventino, em Outubro de 2012)
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