2012-10-27
alexandre gonçalves - palmela
MAGUSTO EM PALMELA (10 de novembro, sábado)
Outono breve nos verdes campos de Palmela. O dia comecou com sol deslumbrante, espalhando ouro na paisagem. Um sábado litúrgico, celebrando o silêncio rústico das primeiras chuvas, que lavaram a folhagem, apurando as cores das árvores e das ervas. O primeiro a chegar foi o Chefe Davide, carregado de urgências e perdizes. Quase me apanhava na cama com a outra, mas eu, prevendo o perigo, sugeri-lhe uma fuga pela escada de serviço. Vieram pouco depois o António e o Ricardo, cheios de garra para limpar o quintal. Ficou tudo que nem um brinco. Vai agora aparecer o Fernando, disposto a fazer tudo o que faltava fazer. Mas o último, como vem sendo norma, é o Zé Maria, que traz às costas a sua horta inteira. Sala de exterior varrida, mesa posta, pátios lavados. Enquanto o Davide dá os últimos retoques às ditas, abrimos os vinhos do sul e desembrulhamos os abundantes frutos outonais, colhidos pelos bosques, conforme as inspirações dos fiéis citados. As primeiras libações ocorreram ao som festivo dos aromas. As perdizes rescendiam a carqueija, a esteva e a feno. Desenvolvemos de imediato a teoria da felicidade terrena, que no caso se confundiu com a do céu. Avançámos depois para a execução formal dos salvíficos sabores e saberes recriados, em cumplicidade total com a mãe natureza, que patrocinou o inefável encontro. A degustação premiou sobejamente a expectativa e o esforço investidos, onde predominaram os frutos vermelhos, com um final complexo e prolongado. Na sobremesa, as papilas ficaram submersas num delicado pudim de ovos, que longas mãos femininas teceram de véspera. Para que a perfeição do dia fosse indiscutível, a doçura do outono entornou-se pelo céu abaixo, numa tropical chuvada avassaladora. Tivemos tempo para nos abrigarmos no alpendre poente, e ver de perto, quase tactilmente, os grossos cordões de água, fertilizando raízes e vegetações.
Acabámos o encontro com sólidos abraços, garantindo que a vida é mais uma arte do que outra cousa qualquer. Se não podemos mudar de governo, mudemos ao menos de vida e de hábitos. E por isso convidamos todos os que acreditam nesta narrativa, e os que não acreditam também, a virem testar as nossas teorias no próximo dia 10 de novembro, aqui em oliveira do paraíso, a fim de dar glória ao S. Martinho e às mais nobres tradições da cultura que professamos. É óbvio que este convite inclui particularmente as Senhoras, a quem atribuímos mais sensibilidade para estes eventos de carácter espiritual.