O paraíso das oliveiras do Alex apenas contrasta com o do Assis em planura e não vê o mar ao longe. Por isso se encosta à Ericeira para sentir a brisa salgada em tardes cândidas que sugerem o amor.
O Magusto de sábado espera tempo adequado ao ambiente de uma boa fogueira e não faltarão os enchidos na grelha que antecedem entrecosto e entremeada e febras. Umas entradas de cogumelos e uns queijinhos acompanhados de vinhos da região darão abertura a um bom repasto que culmina sempre com a doçaria caseira.
As castanhas na fogueira e a jeropiga vão reforçar o ânimo do grupo que leva normalmente ao fogo do conselho.
O Alexandre mimou-nos com 2 textos de êxtase novelesco e o Martins Ribeiro descreveu o cantinho do Assis com a doçura dos diospiros e o agridoce dos fisális, com o lirisco e a sociabilidade dos piscos.
O Peinado lembrou a ditosa favada que ainda há de repetir, com os condimentos e acrescentos adequados.
O Arsénio passou volátil com a Palmeira e um dia destes vamos voltar ao tema, com mais objectividade.
Hoje, acedendo ao amável convite do amigo Assis, fui até ao calmo refúgio do seu paraíso privativo. Volto a invejá-lo repetindo que é um privilegiado; ele diz que não, porém, aquele quintalzinho é verdadeiramente um paraíso rústico. Então nesta altura é que ele se encontra viridente e com ramagens a rebentar de viço. Fui com o cheiro dos dióspiros e lá estavam eles, alguns, é certo e como se afirmava, meio comidos pelos melros e restante passarada, os melhores, que essa fauna não se engana, contudo, mesmo assim, ainda restavam muitos inteiros e de incrível doçura. A tarde estava límpida, apenas com uma ou outra pequena farripa de nuvem, muito branca, suspensa no diáfano azul do céu, deixando brilhar o sol em toda a sua plenitude. Sabia bem aquele morno calor de calmo Outono e não fazia mal. Fomos até ao pomar, prenhe de diversas variedades de plantas; lá estavam os cantados fisális numa espantosa profusão, cestos e cestos deles, como se nunca mais parassem de produzir, ao lado uma tangerineira a abarrotar de frutos, quase muitos mais que as próprias folhas, de igual modo uma pequena árvore de clementinas, carregadinha, já a sarapintar. Ele eram os maracujás de que ainda provei o seu sabor acre e acidulado, ele eram os chuchus que pendiam do arbusto como tetas de velha, ele era um limoeiro vergando sob o peso de limões maduros misturados com outros ainda verdes, numa ininterrupta e generosa colheita, escorados por grossos arejões para não escachar as galhas. Ás tantas ouviu-se uma ave, pareceu-me um melro, diz o Assis que era o Pisco e então pude assistir a um facto bizarro e nunca visto. Trinava o pássaro uns maviosos gorjeios quando me apercebi que ali perto outro lhe retorquia no mesmo tom. Julguei ser outra parceiro mas enganei-me: era o próprio Assis que numa espantosa imitação respondia ao cantador como se fosse um sumido eco. Que mais verei eu? E compreendi o nosso companheiro na sua concepção de trabalhar também para alimentar todas as criaturas da Natureza. Desta vez fui eu sozinho, mais ninguém, nem sequer o Né Vieira apareceu, fazendo-me perceber que com mais gente a convivência se torna mais apetecível. Na verdade, o quintal do Assis é um pequeno paraíso, só é pena que não anda por lá, perdida no meio da exuberante folhagem, uma Eva tentadora, de cabelos soltos a cobrirem-lhe a nudez do pecado e da fantasia. Quando regressei, já um clarão da tarde tintava de fogo a silhueta da serrania fronteira e se esvaía na fímbria lucífuga do dia moribundo. Trouxe comigo um pequeno braçado de espinafres carnudos para com eles fazer uma apetitosa sopa. Só queria era que, depois de comê-la, ganhasse a lendária força do “Popey, the Sailor” para poder dar uns valentes murros em todos os “Brutus” que por cá nos chateiam.
Como era bom que ela viesse.
A Palmeira.
Que houvesse um Gabriel anunciador da sua gestação.
Por obra e graça
de todos.
Ou de
sempre os mesmos.
Como era bom que ela fosse dada à luz numa gruta qualquer
com pastores lá em baixo e burros e vacas e ovelhas
à volta
e anjos com trombetas de Paz
e um Mago carregado de mirra
com que se curam as maleitas da alma
desesperançada
em tamanhos dias de tribulação.
Como era bom que ela viesse.
Como era bom.
Como?
OLÁ, VIAJANTES DA VASTA VIDA!
Regressado a salvo das praias da Ericeira, preparo em Oliveira do Paraíso o pagão ritual da celebração da vida, anunciado para o próximo dia 10 de Novembro. Enquanto participantes do círculo dos vivos, temos o direito e a obrigação de celebrar este mistério espantoso que é acordarmos e sentirmos o ruído gostoso da respiração. Pela janela do quarto vemos uma paisagem molhada e serena, que no silêncio das raízes programa a primavera. Na rua passam pessoas que acreditam em qualquer coisa e gritam desejos e revoltas e são belas. A esta hora (11 da manhã de domingo) passa um homem da nossa idade, que alegremente passeia o seu cão. Logo depois, passam duas raparigas nas suas bicicletas, praticando anatomia e uma beleza flutuante. Um pouco depois, é um casal a caminhar com urgência, ambos suados, a esconjurar ameaçadoras adiposidades. É novembro, um doce novembro, agora não chove, nem faz frio, apenas um resíduo de melancolia no ar, apetece ver alguém, trocar duas palavras de café, almoçar devagarinho, para que o dia seja mais longo, para ampliar a escassa vida. Pois bem, hoje é o dia 10, é sábado, palmela fica perto de tudo, o outono parece um calmo rebanho de ovelhas a pastar as primeiras ervas. Venham surpreendê-lo, no esplendor da mais ganuína tradição. O vinho corre generoso e abundante nestes campos, sem se misturar com a chuva do céu. E vai haver castanhas, à moda das beiras, assadas ao ar livre, por entre chamas breves de ramos secos,silvas e caruma. E haverá uma fogueira arcaica, circular e lenta, em redor da qual se soltarão as línguas iluminadas, glorificando a memória e estes rituais sagrados que atestam a nossa existência comunitária. Venham de perto e de longe, acreditem e tudo vos será dado! O encontro começa pelas 10 e acaba pela hora da lua.
Em nome da vida, relembro versos de Gedeão. Eles justificam as crenças e as libações e mais que tudo proclamam o direito de exaltar a vida e tudo o que há nela.
Venho da terra assombrada
do ventre da minha mãe;
não pretendo roubar nada,
nem fazer mal a ninguém.
Só quero o que me é devido
por me trazerem aqui,
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci.
............................
Com licença! Com licença!
Que a vida á água acorrer.
Venho do fundo do tempo;
não tenho tempo a perder.
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