2012-10-06
Aventino - PORTO
SE A MINHA MÃE VIESSE HOJE BEIJAR-ME
Lembro-me de si, minha mãe.
Dos seus olhos verdes, das suas mãos,
dos seus dias de vida.
Dos seus sins e dos seus nãos.
Lembro-me de si, minha mãe.
Dos poemas que não lhe escrevi,
das vezes que não disse: amo-a, amo-a, minha mãe.
E dos seus silêncios
e das lágrimas que lhe vi.
Lembro-me de si, minha mãe
as flores no canteiro à porta de casa.
O choro da partida,
Tino, vem ver-me mais vezes, vem.
E a senhora, aguada,
perdida,
pela partida.
Lembro-me de si, minha mãe
em todas as lembranças de hoje.
O retrato, as flores, o mármore,
a laje branca e o sorriso,
"eterna saudade de seu filho".
E o seu sorriso mesmo ali, naquele lugar,
ao vento, à chuva e às noites tão longas
e o medo delas, e do escuro, e do cemitério e da morte.
Agora falo-lhe, ajoelho-me,
voltei a menino, fico ali ao seu colo
e falamos.
É claro, da próxima vez trago-lhe gerberas, sim,
e bananas da Madeira e o Porto e o Espumante e o jornal para lermos juntos.
Está bem, minha mãe, está bem.
Da próxima vez trago também o bolo da Teixeira e a pescada fresca
e o Alvarinho e, depois, lá vamos nós.
A tia Maria, o tio Adão e o mar. O mar!
Lembra-se minha mãe, lembra, pois lembra, quando ambos fomos conhecer o mar?!
O longe estava todo ali e a senhora chorava e eu chorava e a senhora dizia
porque choras, meu filho?!,
e eu perguntava, porque chora, minha mãe?!
Vamos ver o mar, vamos?!
É só um instante. O guarda do cemitério vai deixar.
Vou chamá-lo!
(Aventino, em Outubro de 2012)