2012-11-06
A. Martins Ribeiro - Terras de Valdevez
Hoje, acedendo ao amável convite do amigo Assis, fui até ao calmo refúgio do seu paraíso privativo. Volto a invejá-lo repetindo que é um privilegiado; ele diz que não, porém, aquele quintalzinho é verdadeiramente um paraíso rústico. Então nesta altura é que ele se encontra viridente e com ramagens a rebentar de viço. Fui com o cheiro dos dióspiros e lá estavam eles, alguns, é certo e como se afirmava, meio comidos pelos melros e restante passarada, os melhores, que essa fauna não se engana, contudo, mesmo assim, ainda restavam muitos inteiros e de incrível doçura. A tarde estava límpida, apenas com uma ou outra pequena farripa de nuvem, muito branca, suspensa no diáfano azul do céu, deixando brilhar o sol em toda a sua plenitude. Sabia bem aquele morno calor de calmo Outono e não fazia mal. Fomos até ao pomar, prenhe de diversas variedades de plantas; lá estavam os cantados fisális numa espantosa profusão, cestos e cestos deles, como se nunca mais parassem de produzir, ao lado uma tangerineira a abarrotar de frutos, quase muitos mais que as próprias folhas, de igual modo uma pequena árvore de clementinas, carregadinha, já a sarapintar. Ele eram os maracujás de que ainda provei o seu sabor acre e acidulado, ele eram os chuchus que pendiam do arbusto como tetas de velha, ele era um limoeiro vergando sob o peso de limões maduros misturados com outros ainda verdes, numa ininterrupta e generosa colheita, escorados por grossos arejões para não escachar as galhas. Ás tantas ouviu-se uma ave, pareceu-me um melro, diz o Assis que era o Pisco e então pude assistir a um facto bizarro e nunca visto. Trinava o pássaro uns maviosos gorjeios quando me apercebi que ali perto outro lhe retorquia no mesmo tom. Julguei ser outra parceiro mas enganei-me: era o próprio Assis que numa espantosa imitação respondia ao cantador como se fosse um sumido eco. Que mais verei eu? E compreendi o nosso companheiro na sua concepção de trabalhar também para alimentar todas as criaturas da Natureza. Desta vez fui eu sozinho, mais ninguém, nem sequer o Né Vieira apareceu, fazendo-me perceber que com mais gente a convivência se torna mais apetecível. Na verdade, o quintal do Assis é um pequeno paraíso, só é pena que não anda por lá, perdida no meio da exuberante folhagem, uma Eva tentadora, de cabelos soltos a cobrirem-lhe a nudez do pecado e da fantasia. Quando regressei, já um clarão da tarde tintava de fogo a silhueta da serrania fronteira e se esvaía na fímbria lucífuga do dia moribundo. Trouxe comigo um pequeno braçado de espinafres carnudos para com eles fazer uma apetitosa sopa. Só queria era que, depois de comê-la, ganhasse a lendária força do “Popey, the Sailor” para poder dar uns valentes murros em todos os “Brutus” que por cá nos chateiam.