E AQUELES QUE FICARAM
Na casa do ASSIS é que se é feliz.
( e o meu pai a dizer silêncio, silêncio, que as paredes têm ouvidos. E o meu pai a dizer guerra civil de Espanha, cinco anos, combatente, republicano, clandestino, depois a Legião Francesa, a fronteira, França, de novo a clandestinidade, a Gendarmarie a expulsá-lo, repatriado, Portugal, Salazar e a miséria)
Na casa do ASSIS é que se é feliz.
(Soalhães. Marco de Canaveses. E o meu pai a contar-me, criança de oito ou nove anos de idade que eu era. Silêncio. À lareira da minha casa velha velha, de um país velho, de um ditador velho. Na Freguesia ao lado havia um padre. O padre era convidado para almoçar aos domingos em casa da senhora, casa senhorial, proprietária, rica, criados e criadas, caseiros, regime, Salazar. O padre foi, o primeiro domingo, à mesa com a senhora, mesa longa, farta, os dois, as criadas a servirem).
Em casa do ASSIS é que se é feliz.
( e o padre a dizer: se os criados não vierem comer para esta mesa ao nosso lado eu não como nada e não volto cá. O meu pai a contar-me e esta criança encantada, o meu pai encantado, o sonho, a liberdade, a igualdade, um mundo novo imaginado que nunca, nunca, vim a conhecer).
Em casa do ASSIS é que se é feliz.
(o padre era o padre MÁRIO DE OLIVEIRA, vim a saber muitos anos mais tarde, infância passada, seminário passado, Coimbra e o cheiro a liberdade).
E assim se foram os sonhos com que o meu pai, ateu, republicano, anti-clerical e sonhador me foi encantando, num misto de sonho e de mentira, num misto do imaginado e do possível. Depois, houve uns tipos que se disseram padres e me expulsaram do seminário. Uma carta a 17 de Agosto de 1970 dava a notícia. Bela ou monstruosa ainda não sei. O que sei é que o futuro é este dia de hoje. Ausente do terno afecto que me tiraram; presente da rectidão, da honra, da lealdade, do carácter com que o seminário me fez cidadão, português, Aventino.
(Corria o meu terceiro ano do curso de direito da Faculdade de Direito da Academia de Coimbra. Os jornais diziam, os jornais falavam Padre Mário de Oliveira, julgamento no Porto, Tribunal Plenário. E lá vim eu, manhã cedo, cinquenta escudos de combóio, esperança a rodos, (e as palavras de meu pai a ecoarem, os olhos de meu pai, os sonhos de meu pai pela liberdade).
Ao tempo, o regime estabelecia que os estudantes de direito, entre outros, naturalmente, tinham preferência nas salas de audiência dos tribunais portugueses. E este sonhador lá rumou adentro pelas portas de ferro do Tribunal de S. João Novo, polícias á porta, polícias pelos corredores, polícias na sala. Estudante da Faculdade de Direito. Coimbra, disse-lhes. Cartão na mão. Pose empertigada. Seguro que "aqui ao leme sou mais do que eu". E o polícia: a sala está completa; não pode entrar. E barrou-me o caminho. Completa de Pides? perguntei-lhe eu. Completa, respondeu-me esse miserável cidadão).
Bem haja Padre Mário de Oliveira. Bem hajas, meu querido ASSIS.
Na tua casa ainda somos felizes.
Como o colega David Vaz noticiou neste espaço, fiz uma plastia da válvula mitral, no Hospital da Luz, no passado dia 26. Ontem, antes de decorrida uma semana, já me encontrava em casa. A intervenção foi complexa mas, ao que me disseram e os exames já feitos parecem demonstrar, muito bem sucedida.
Também nestes momentos se aprende e eu tirei deste dois ensinamentos: Um, que os receios são quase sempre desproporcionados. Não tive dores ou grande sofrimento e fui tratado por uma equipa médica, de enfermagem e auxiliares verdadeiramente fantástica. O outro, foi conhecer o verdadeiro significado da amizade. Definições conhecia inúmeras e de gente sábia. Para conhecer o seu valor e quanto ela nos é importante, tive que passar por este momento.
A vossa foi-me particularmente grata. Bem hajam!
A chuva empurra-nos para Dezembro com um zinote de acomodar a samarra até às orelhas.
Na sua última mensagem o nosso amigo Martins Ribeiro esboça o guião para 2013 enquanto a insensibilidade dos nossos contabilistas nos vai enchendo de raiva e de alguns receios, sempre ansiosos por nova bonança.
Na maré de problemas de saúde que tem afectado alguns colegas, também o Pedro Barreira esteve há dias internado no Hospital Militar da Estrela para uma pequena mas incómoda cirurgia, que correu bem. As melhoras para ele e uma rápida recuperação.
ORAÇÃO DA VELHINHA ROUBADA
Saiu o bando de ladrões por todos os recantos do reino para roubar desenfreadamente e rapinar tudo aquilo que luzisse: ouro, dinheiro, pão para a boca, dignidade; nada lhes escapava. Mas como os ladrões sempre temem alguma reacção dos mais fortes e válidos, a tiro de caçadeira, á facada, á paulada ou mesmo a soco, não se atreveram a assaltar todos aqueles que lhes pudessem fazer frente. E então, cobardes como são, decidiram assaltar os doentes, os aleijados, os esfomeados, os pedintes, os vagabundos e os velhos. Espalhando o terror por todos os cantos do reino, chegaram á porta duma velhinha de cabelos brancos como a neve, que mal podia andar, encarquilhada e trémula, toda vestida de preto e encolhida num recanto da sua mísera casa, entraram por ali dentro e ensacaram o pouco que ela tinha que era quase nada. E riam-se os ladrões! Cena infamante! Claro que a velhota não podia reagir; era desvalida, não tinha caçadeira, não tinha facas, nem varapaus, nem pedras, mal podia com a alma. Então, lembrando-se de que tinha havido, certa vez, um "bom ladrão, resolveu apelar á piedade e ao coração do gatuno, caiu de joelhos aos pés dele, pôs as mãos e rezou assim:
― senhor ladrão, tenha pena desta pobre velha, doente e desamparada e não me roube o meu dinheirinho que tanta falta me faz!
E os ladrões riam!
Senhor ladrão, pelas alminhas de quem lá tem não me tire as minhas coisinhas, senão depois não posso comprar sequer um pãozinho para matar a fome, nem umas canhotinhas para acender o lume e não morrer de frio, nem aquecer uma botijinha e aquentar os pés na cama.
E os ladrões cada vez riam mais!
Senhor ladrão, pela sua rica saudinha, deixe-me esses brinquinhos que foi a minha santa mãezinha que mos deixou e pouco ou nada valem.
E os ladrões iam rebentando a rir!
A velhinha num desespero:
Senhor ladrão, olhe que me deixa na miséria e eu já não posso ir para a rua pedir uma esmolinha. Senhor ladrão, olhe que eu já me sinto muito trôpega e não posso estender a mão á caridade.
Então a velhinha começou a chorar! Aqui os ladrões pararam de rir, empurraram a pobre criatura com brutalidade deixando-a estendida na soleira da porta.
Na sua ingenuidade não sabia a velhota que os ladrões não têm alma nem coração, nem se comovem com orações de infortúnio, que são todos maus e cruéis. Como já tinha mais de oitenta anos, a infeliz morreu logo depois de a terem assaltado e não pôde sentir a extrema felicidade de assistir á derrocada dos bandoleiros, mais tarde todos abatidos e escorraçados a chumbo de caçadeira.
O que a mim me dói é que também eu não irei ter esse deleitoso prazer de os ver corridos a tiro, fugindo como fétidas ratazanas o que, mais cedo ou mais tarde, irá fatalmente acontecer. O que posso pedir, isso sim, é fazer votos para que não demore muito.
Amigos e companheiros:
Após a magustada do dia 24 na casa do Assis em Orbacém eu nada disse porque logo de imediato já tudo foi dito sobre esse evento. Etecetara e tal, correu tudo muito bem, foi muito lindo, etecetara e tal. O que eu estive a fazer foi a editar um pequeno filme que lá fiz e a pô-lo no YouTube para todos poderem ver, que estas coisas convém que sejam divulgadas. E é só para dizer que o nosso Presidente Né Vieira já o colocou no site, de maneira que, agora, é fazer as honras e visioná-lo. Tem de especial uma intervenção, entendo eu que muito interessante, do Pe. Mário. Abraço a todos.
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