2012-11-29
A. Martins Ribeiro - Terras de Valdevez
ORAÇÃO DA VELHINHA ROUBADA
Saiu o bando de ladrões por todos os recantos do reino para roubar desenfreadamente e rapinar tudo aquilo que luzisse: ouro, dinheiro, pão para a boca, dignidade; nada lhes escapava. Mas como os ladrões sempre temem alguma reacção dos mais fortes e válidos, a tiro de caçadeira, á facada, á paulada ou mesmo a soco, não se atreveram a assaltar todos aqueles que lhes pudessem fazer frente. E então, cobardes como são, decidiram assaltar os doentes, os aleijados, os esfomeados, os pedintes, os vagabundos e os velhos. Espalhando o terror por todos os cantos do reino, chegaram á porta duma velhinha de cabelos brancos como a neve, que mal podia andar, encarquilhada e trémula, toda vestida de preto e encolhida num recanto da sua mísera casa, entraram por ali dentro e ensacaram o pouco que ela tinha que era quase nada. E riam-se os ladrões! Cena infamante! Claro que a velhota não podia reagir; era desvalida, não tinha caçadeira, não tinha facas, nem varapaus, nem pedras, mal podia com a alma. Então, lembrando-se de que tinha havido, certa vez, um "bom ladrão, resolveu apelar á piedade e ao coração do gatuno, caiu de joelhos aos pés dele, pôs as mãos e rezou assim:
― senhor ladrão, tenha pena desta pobre velha, doente e desamparada e não me roube o meu dinheirinho que tanta falta me faz!
E os ladrões riam!
Senhor ladrão, pelas alminhas de quem lá tem não me tire as minhas coisinhas, senão depois não posso comprar sequer um pãozinho para matar a fome, nem umas canhotinhas para acender o lume e não morrer de frio, nem aquecer uma botijinha e aquentar os pés na cama.
E os ladrões cada vez riam mais!
Senhor ladrão, pela sua rica saudinha, deixe-me esses brinquinhos que foi a minha santa mãezinha que mos deixou e pouco ou nada valem.
E os ladrões iam rebentando a rir!
A velhinha num desespero:
Senhor ladrão, olhe que me deixa na miséria e eu já não posso ir para a rua pedir uma esmolinha. Senhor ladrão, olhe que eu já me sinto muito trôpega e não posso estender a mão á caridade.
Então a velhinha começou a chorar! Aqui os ladrões pararam de rir, empurraram a pobre criatura com brutalidade deixando-a estendida na soleira da porta.
Na sua ingenuidade não sabia a velhota que os ladrões não têm alma nem coração, nem se comovem com orações de infortúnio, que são todos maus e cruéis. Como já tinha mais de oitenta anos, a infeliz morreu logo depois de a terem assaltado e não pôde sentir a extrema felicidade de assistir á derrocada dos bandoleiros, mais tarde todos abatidos e escorraçados a chumbo de caçadeira.
O que a mim me dói é que também eu não irei ter esse deleitoso prazer de os ver corridos a tiro, fugindo como fétidas ratazanas o que, mais cedo ou mais tarde, irá fatalmente acontecer. O que posso pedir, isso sim, é fazer votos para que não demore muito.