2012-10-27
A. Martins Ribeiro - Terras de Valdevez
Pelo que vou lendo no nosso sitio (e ainda bem) vem o Alexandre com as perdizes abrindo azo ás castanhas, vem o Peinado a reclamar rojões e cabritadas, acções por de mais prosaicas mas que fazem debelar tristezas; e, como sabemos, estas são em número que chegue. Isto pode considerar-se o Pão, essencial e necessário, mas e como dizem, nem só de pão se pode viver. Por isso, ao ler o texto do Alexandre vejo que, embora tratando de coisas materiais, todo ele está impregnado de puro romantismo em que ele é mestre. Grande Alexandre! E claro, como eu também sou e sempre fui um inveterado romântico, lembrei-me das minhas pieguices de antanho, entrou-me esse bicho no corpo e rebuscando nos papéis amarelecidos do meu arcaz, onde tenho guardadas muitas escrevinhaduras desses delambidos tempos, lá encontrei uma delas, inspirada num amor fugidio que, pouco depois, emigrou para a Argentina, onde tinha família.
Não, não era a Elisa, essa veio muito depois; esta chamava-se Maria Helena e foi tão verdadeira como eu. Desta forma, vou pedir a vossa indulgência para o escrito, frisando que atenteis na data do mesmo para lhe ser dado o respectivo desconto. Entendo que devemos também acicatar a alma, como fazemos em relação ao corpo com rojoadas, lebres, perdizes e carrascão.
*****
REMINISCÊNCIA
Amada Helena:
Amei-te um dia quando tu eras mais radiosa que a luz da aurora, mais refulgente que um corisco, mais encantadora que o luar de Janeiro, mais romântica que o voar das mariposas irisadas, mais feiticeira que a tentação. Amei-te, deveras, Helena minha, depois de me ter espreguiçado no aconchego dos teus braços, no lambisco dos teus sedosos lábios, na atracção do misterioso abismo do teu corpo.
Como recordo aquelas tardes quentes debaixo de frondoso choupo nas margens do nosso rio onde nos deixávamos perder em beijos tresvariados enquanto o fluir do remanso do meu querido Minho ia zoando soníferas melodias. Ao longe, no confim dos morros fronteiros, caía o astro de lume, queimando a tarde e o meu coração. Trechos inesquecíveis do meu romance!
Oh! Meu adorado amor, como desejava ter-te agora nos meus braços, cingir-te num lúbrico abraço, juntar meus lábios aos teus e nesse verdadeiro rubi beber novamente a doçura do teu pecado.
Cavaleiro andante e só para te encontrar, radiosa Helena, correria vales, subiria montanhas, navegaria mares, numa frenética andança por todas as plagas do mundo, ainda que me perdesse como um pária errante, como um boémio vagabundo ao pó de interminável jornada. Mas vendo-me fenecer na reminiscência daquelas tardes de Outono que passamos, sinto que o meu dia vai findando no crepúsculo da tristeza, na resignação do meu tempo já sem tempo.
Sei que tu andas perdida nas belas paragens do país das pampas, por isso, esquece as minhas bravatas de romântico ginete e aceita apenas um fugaz aceno de profunda nostalgia.
Côrtes, Julho de 1954