A Primavera incendeia agora de calor e brotam em pequenas expressões os rebentos verdes e as flores de fruto e de jardim e os campos assemelham-se a tapetes de amarelos e violáceos de tons bem vivos.
O Lamas guarda por baixo das sacadas os ninhos de andorinha e nos Arcos o Martins Ribeiro vai dando ao fole para amadurecer os fisális transplantados ainda no Inverno das terras de Orbacém e dos viveiros do Pingo Doce.
Já apetece invadir os terrenos do Assis lá na montanha de onde se avista o mar e amesendar umas pataniscas de bacalhau com um amorenado arroz de feijão e micro legumes com aromas de cominhos moídos e de comer à colher, como convém para não perder pitada. Umas morcelas braseadas com grelos salteados amainariam os apetites e uns vinhinhos frescos de casta loureiro poderiam atiçar os sabores encorpados da preciosidade dos enchidos.
Não sei o que vai na horta do Assis mas imagino que esteja a dar sustento àquelas favinhas que fazem alevantar os mais desfavorecidos em apetites e estarei certo que ao fim de uns ajustes no prato já se poderão ouvir os chilreios das andorinhas a anunciar o animado convívio.
Claro que para estas coisas tem de "haber" a autorização do chefe da virtuosa quinta soalheira.
Recebi e li, há muito tempo, a nossa bem cultivada Palmeira, a de Março de 2013.
Decidi logo elaborar e enviar um pequeno texto de apreço para esta secção. Faltou decidir quando o faria. Finalmente volto hoje.
Arsénio e toda a equipa editora, mereceis bem quantos amigos tenhais, Ponde-me lá no fim da lista ou da tabela, tanto importa.
Mandando a modéstia às urtigas, agrada-me muito ver-me publicado em tão boa companhia.
Numa apreciação pessoalíssima, permiti-me reincidir na minha natural admiração e salutar inveja perante todos os poetas e, neste momento, quero contar com a benevolência do Alípio para me associar à homenagem por ele prestada ao nosso querido Pe. Augusto. Às vezes temos a oportunidade de nos cruzarmos com verdadeiras excelências. Conto também com a benevolência do Alexandre Gonçalves para poder felicitá-lo pela sensibilidade e arte em tratar o amor e a mulher, ambos temas inesgotáveis e inultrapassáveis. É enternecedor ver como um tópico de formulação tão simples - amo-te, ama-me - permite textos tão vários, tão artísticos e tão profundos.
Para além desta apreciação afectiva, nada mais do que isto, continua a agradar-me muito a secção Polis e o tratmento dado ao problema religioso.
Neste tempos difíceis, apesar deles, desejo que todos tenham passado a Páscoa num ambiente familiar e acolhedor.
A. Rodrigues
O Gaudêncio ,não vislumbra as andorinhas e até parece que duvida que a primavera tenha chegado. O Ismael, inventa uma primavera, num qualquer dia do ano, seja inverno ou verão. Entretanto, o Martins Ribeiro, confessa-nos que já faz muito tempo que não vê as andorinhas, mas oManuel Vieira, parece ser o único que as vê, ( as andorinhas ), mas são feitas de loiça. Companheiros, a primavera , ainda que não pareça, já chegou e quem a trouxe, foram as andorinhas. Elas chegaram a minha casa, como em todos os anos, num dos dias da segunda semana de Março. Eu, tal como vós, gosto de as ver, mas quem não gosta mesmo, é a dona Argentina ( minha mulher ). Isto só porque lhe sujam a varanda e os passeios, o que para quem limpa, convenhamos, não é fácil aceitar. O Martins Ribeiro e o Manuel Vieira, reclamam a prezença dos outros que estão faltando, mas tal como eu, eles irão aparecer. Estão ocupados com outros afazeres, ou então, ressacando dos excessos da Páscoa. Um abraço a todos J.M.Lamas
Escrevinhado nos Arcos em 69, no mês invernoso de Janeiro, correndo o risco de afetar de ferrugem o ilustre equipamento, o nosso colega Martins Ribeiro mostra bem como a Primavera que já corre, nos apelida de "andorinhas" por andarmos ausentes destes campos de saudade, exibindo como de costume um belo texto.
Curiosamente o Gaudêncio não vislumbra as andorinhas e ai que falar delas.
Há dias, ao passar numa banca de uma feirinha de artesanato comprei 5 andorinhas de barro pintado de preto de dependurar nas paredes. Faltava-me a Primavera e compensei-me como quem compra a boneca insuflável para compensar as ausências. Abençoadas mãos que desenharam os espaços para distribuir com a gentileza de um esboço de movimentos as andorinhas singelas que encheram a parede do meu recanto.
Claro que ao falar das tais andorinhas que recortam os céus em correrias infantis, o Ismael encantou-se e reduziu a um poema de transições o que lhe passava na alma.
Bem... faltam os outros. Falta o Peinado e também o Lamas que já consta na lista.
Mas há mais, e muitos mais.
Reparem em quantas visitas já vai o contar do nosso site desde que nasceu. Já ultrapassou os 100.000 e não é pela força do vento.
Amigos e companheiros:
passadas estas festividades da Páscoa, com os seus petiscos e libações, verifico que o nosso site tem andado muito chocho e começa agora a dar um arzinho da sua graça com as intervenções do Gaudêncio e as suas andorinhas chilreantes (ao tempo que eu já não as vejo!) e com o belo poema do Ismael Vigário. De resto, o amigo Peinado escafedeu-se, o Arsénio idem, o Aventino nem procurado com uma lupa, o Alexandre, cadé ele? E tantos outros, Senhor, onde param? Como sabeis, antes dos computadores existiam as máquinas de escrever: eu tive algumas, bem giras e que adorei muito. Estava eu a mexer aqui nos meus alfarrábios e dei com um trecho de elogio a uma delas. Poder-se-ia adaptar agora aos computadores mas, sendo estes muito mais prosaicos, prefiro mantê-lo na sua originalidade, dedicado àquelas máquinas cujo romantismo não sofre contestação. Por isso e porque me provocastes, vou castigar-vos com ele:
Á MINHA MÁQUINA
Quanto suspirei por te possuir, quanto desejei ser teu dono, minha querida máquina! E, para isso, teria sido mesmo capaz de dar por ti todo o ouro deste mundo, toda a fortuna que tivesse! Querendo eu ser como os grandes homens, sabia que só contigo o poderia conseguir e, na verdade, agora que já és minha, sinto-me um homem importante, um cidadão presumido, uma pessoa ditosa e feliz!
Amei na vida, minha máquina, amei pessoas com coração, mas para que tu saibas, de que me serviu amar tais criaturas se me não trouxeram contentamento algum com o seu amor, antes fizeram de mim um ser rebelde, irritadiço e triste!?
Percebi, então, que só havia dois caminhos a seguir, minha amada máquina; ou repudiar o amor de pessoas vivas e conscientes, ou amar seres irracionais e sem coração, como tu.
Mas ... que digo eu? Tu não tens coração? Como sou injusto.
Não serás tu muito mais adorável e terna sem coração que todas essas a quem amei e que, em paga, me escarneceram e desprezaram porque apenas tinham almas penadas e vazias?
És, com certeza.
Não terás tu, sem coração, o fascínio e o sortilégio duma ofuscante beleza?
Tens, tens, certamente.
Não provocarás tu, sem coração, a intensa paixão que se dedica a um ente adorado?
É verdade que sim.
Pois então, como te disse, ainda hesitei entre o deixar de ter consciência e o de me dedicar a objectos inertes e parados. Mas alienar a minha consciência e afogar a nobreza dos sentimentos da minha alma, não cabia na minha maneira de ser e, por isso, decidi entregar-te toda a minha dedicação e afecto.
E é o que faço nesta hora, escreve isso, minha amiga máquina, pois to estou a dar neste sagrado momento em que só Deus nos vê; a mim a dedilhar-te com cuidado e carinho para não te ferir e tu, mesmo assim, desculpa e perdoa se te carrego mais rudemente que o meu costume, mas acredita que é sem intenção de te magoar; e a ti que cantas e matraqueias suavemente, sendo que o teu matraquear é, para mim, bem mais melodioso e jucundo do que as palavras de amor que um dia escutei dos lábios da minha amada pois, assim como foram bem deliciosas nesses momentos por as acreditar sinceras, mais cruéis se tornam agora ao saber quão hipócritas e mentirosas elas foram, quanta traição escondiam.
Deixei de contemplar os seus lindos olhos, mas não terás tu o brilho deles? Não terás a candura do seu rosto, a ternura e poesia dos seus lábios? Deixei de estreitar as suas deliciosas e aveludadas mãos, mas não serão para mim muito mais macias e delicadas as tuas teclas pretas com os caracteres embutidos em branco?
Pretas, disse pretas? É verdade, quanto eu gosto da cor preta; porque nasci para ter a alma sempre imbuída de certa e indefinível tristeza, sempre vestida de saudade. É meu feitio, bem o sei e, mesmo para que entendas, minha adorada máquina, o meu talismã, por força do destino, é a cor negra, o precioso ónix. Por via disso, ainda me agradas mais e mais te quero.
Deixei de mirar o seu rosto e aquele seu sorriso que foi a minha perdição e tantas e tantas vezes me subjugou e aniquilou como um raio inefável e poderoso, mas tu não terás também o encanto desse rosto e desse sorriso?
Oh! Se tens! Claro que tens!
Contigo abarco e domino o Universo e a Vida, pois tu podes materializar os meus pensamentos e os meus sonhos. Os dois possuímos um verdadeiro e incomensurável poder; assim tenhamos capacidade e sensatez para o exercer com equidade e justiça. Tu podes fazer com que eu crie uma mulher, a mais linda mulher que existe no mundo e que será só minha, conforme o meu gosto e o meu ideal. Eu, contigo, posso imaginar e conceber uns olhos, os mais lindos olhos de quantos existem e dão brilho e prazer aos homens, olhos languidescentes e de estranho poder de doçura, olhos que poderão ser a minha perdição ou a minha fortaleza. Tu, enfim, podes pôr diante de mim uma mulher conforme me der na vontade e na fantasia, ou nua ou vestida de princesa, mais que de princesa de rainha, mais que de rainha, de deusa; tu podes ser o chicote para fustigar muitas maldades e hipocrisias, para verberar muita cobardia e traições, tu poderás trazer para a luz do dia a podridão de muitos corações e de muitas almas denegridas, tu poderás ser o azorrague para zurzir muitas petulâncias e infâmias e, por certo, também o louvor de muitas virtudes e actos magnificentes, (o que não é lá muito provável, desde já te digo), e serás quiçá a minha defesa contra as iras injuriosas dos homens, contra as ignominiosas calúnias dos invejosos, contra a injustiça dos fanáticos. Ah! E espero que sejas também a minha glória um dia quando, depois de ter fruído a tua inesquecível companhia, vá repousar eternamente no sono imperturbável da morte.
E depois? Quero que me acompanhes pelo rasto cintilante do pó das estrelas, porque quem foi fiel por toda a vida, igualmente o será para além dessa hora fatal, quem me acompanhou com tanta dedicação e préstimo durante a minha passagem pela existência, também merecerá figurar no acompanhamento íntimo da saudade.
Assim, minha querida e amada máquina, eu te dou e entrego toda a minha estima e devoção. Crê que te adoro e te amo muito, a ti posso confessá-lo sem receio de vir a ser atraiçoado.
Foste muito cara para as minhas posses mas, já o disse, haveria de dar por ti todo o ouro do mundo e, acredita, que se o houvera dado não te cederia depois, tem disso a certeza, por todos os tesouros ou pedrarias que alguma vez pudessem ter existido.
-----------
Arcos, Janeiro de 1969
Quer partilhar alguma informação connosco? Este é o seu espaço...
Deixe-nos aqui a sua mensagem e ela será publicada!