2013-04-26
Ismael Malhadas Vigário - Braga - Gualtar
Caros, amigos
Será que sou poeta? Que aquilo que escrevo se assemelha a
poesia? A poesia é um modo de estar sozinho, como dizia um poeta digno deste
epíteto. De qualquer modo, escolho palavras e frases curtas, porque fujo melhor
à censura e me sinto mais livre, porque menos marcado pelo verbo argumentativo.
De qualquer modo, sei que dizer é também não dizer, porque nunca se diz o que
se quer, nem se diz o que se deve dizer ….Daí que as minhas frases quebradas,
não sendo a expressão lídima de um qualquer género literário, são no mínimo uma
expressão de uma ousadia, onde misturo muito de mim e, nem sempre cumpro a
máxima Kantena e da Aufklarung: “sapere
aude! - ousa servir-te do teu próprio intelecto”.
Também não estou
feliz com o que se passa no nosso país e sinto demais a dor deste povo, daí o recurso
ao tema da ira, para aceitar o repto do Alexandre.
Dies Irae
Desceram das colinas
e juntaram-se nas praças,
encheram ruas e
ocuparam esplanadas solarengas,
traziam olhos
ressabiados e descriam do futuro,
erguiam nas mãos fachos de vingança.
Houve tempo em que
entoaram canções e exibiram palmas e ramos de oliveira.
E, no caos e
desespero, elevaram à morte.
E a traição
espalhou-se até aos confins.
E a turba que antes o
aclamava, agora pronunciava a palavra de raiva
e dos olhos brilhava
o ódio num alvo definido: morte.
II
E as mãos eram
cutelos a elevarem-se bracejantes à volta da raiva,
as mãos empunhavam cartazes de revolta
e da boca saíam
gritos mais que humanos
e as nuvens recuavam
de medo em horizonte sem luz.
Cresceram as lágrimas das montanhas
e pronunciaram as
palavras eloquentes de Brecht: “do rio que tudo arrasta se diz que é violento,
mais violentas as margens que o comprimem”.
E as águas
tumultuosas desceram irosas
e juntaram-se em
lagos de multidões de gritos lancinantes e desenfreados!...
E em movimentos
céleres procuraram o algoz que provocou tanto desespero,
e todos, em gritos,
sentiram a força de uma ilusão:
e às mãos erguidas,
em riste, ninguém lhes deu a palavra,
com ânsia, a
procuraram à força da entoarem,
e do concerto das
vozes, chegou uma música de dor,
em grande mar de
sofrimento!... sentirem-se filhos de um deus menor…
III
Dies irae
na falta dum futuro anunciado,
a negra nuvem a
fechar o horizonte do pregão sem eco:
a morte dum país que se esquece, à força do querer desacreditar.
E o lobo e o cordeiro
não comerão juntos,
e o cordeiro
tornou-se lobo e o lobo não se tornou cordeiro,
e o tempo não é um
tempo de direito,
e a paz não existe em
tempo de cólera,
quando o trabalho não é trabalho e o amor não é amor.