fale connosco


2013-12-29

Arsénio Pires - Porto

Aventino e colegas, falemos, então, da Palmeira.

É de opiniões assim que eu gosto. O Aventino falou e não bajulou. Interveio num tom e cadência salutarmente provocadores mas claramente construtivos.

Se calhar, esperam todos por umas palavras minhas que, desta vez, não vão representar a opinião do Grupo Coordenador. E faço-o, sobretudo, com a intenção de que os outros elementos se pronunciem: Assis, Barros, Nabais, e os coordenadores regionais, Alexandre e José Rodrigues. Claro que a antena está aberta a todos os associados e leitores.

 

Vou seguir as alíneas do texto do Aventino que se referem especificamente à Palmeira e que começam no ponto

 

3. Então falemos da Palmeira

a) Reconhecimento.

Mais uma vez devo dizer que sabe sempre bem ouvir palavras de apreço pelo esforço dos que, com sacrifício do seu tempo e etc., têm conseguido trazer (às vezes… arrastar!) a Palmeira até ao seu 36º exemplar. Obrigado em nome do Grupo.

 

b) O nome da revista: Palmeira.

Na Assembleia em que eu lancei a iniciativa duma revista, a ideia não foi entusiasticamente recebida. Alguém, de quem recordo o nome, chegou a vaticinar um número de existência e… nada mais. Quanto ao nome que sugeri, tanto quanto me lembro, recebeu unanimidade. Sinceramente, não recordo, Aventino, que alguém tenha sugerido outro diferente. Mas admito que sim. Contudo, não penso que este seja um tema de interesse para nos ocuparmos dele agora pois nunca iremos “crismá-la” e mudar-lhe o nome. Ela já é de maioridade! Será sempre Palmeira, aquela que a todos viu entrar e sair, aquela que do alto viu os nossos jogos, espiou as nossas amizades (públicas e “privadas”!), sentiu nas suas raízes a nossa tristeza e fome de liberdade e de afectos. Nós iremos e ela há-de ficar. Nós somos mortais. Ela é eterna! Palmeira!

 

c) A qualidade dos seus textos

Desde a sua origem, a Palmeira pretendeu ser apenas e sempre “um elo de ligação” entre aqueles que a aceitaram como tal, na sua grande maioria, os associados de então. Depois foi sendo enviada a todos de quem obtivemos o endereço. Presentemente, ela chega a cerca de 300 ex-alunos. Neste momento, não recebemos devoluções, coisa que aconteceu, por vezes, no início. Temo-nos esforçado por que os seus textos apareçam em português correcto (ortografia e sintaxe); nunca exigimos textos de grande elevação literária, embora eles sejam sempre bem-vindos, pois não é esse o seu objectivo. Penso até que, por vezes, teremos exagerado na quantidade e qualidade dos textos por número, o que pode levar a certo retraimento doutros elementos para colaborar. Pelo menos, tal me têm comunicado neste sentido quando solicito colaboração. Portanto, ficaria muito contente se a colaboração fosse cada vez mais diversificada pelo que aos autores diz respeito embora com “a qualidade dos seus textos apenas suficiente”, como dizes. Isto sem desvalorizar textos como os que têm aparecido de grande valor literário. De tudo um pouco. Como convém a uma plataforma que se pretende seja diversificada, tolerante e respeitadora da diferença. Não me espanta nada que alguém diga da Palmeira que é “coisa de seminaristas” porque, de facto, assim é... de ex-seminaristas. Muito embora, se olharmos, por exemplo para este nº 36, dificilmente alguém dirá tal ao ler a maioria dos seus artigos. Antes, pelo contrário!

 

d) A Palmeira é “um instrumento de separação e de rejeição”.

Este é um tema que merece a nossa atenção. Temos que agradecer ao Aventino o ter focado este aspecto e fico deveras preocupado. Apesar de nunca nos ter chegado informação de que a Palmeira seja o motivo por que muitos dos ex mais novos não se aproximam da Associação, teremos que aprofundar e reflectir sobre isso. E será SÓ esse o motivo?

Poderá ser este um tema para a nossa próxima Assembleia Geral. Concordo, pois este é um assunto que se prende com a continuidade da Associação.

 

Mas, no que à orientação da Palmeira diz respeito, repito aqui o que já várias vezes proclamei pública e privadamente: Desde o início, aquando da feitura dos Estatutos e posteriormente, defendi e defenderei sempre que a Associação não deve ser uma espécie de “Ordem Terceira dos Redentoristas” nem um “Grupo de Excursionistas” ou um “Clube de Literatos”. Neste sentido temos lutado, tanto nas sucessivas listas para a Direcção que tem sido o mais pluralista e abrangente possível, como (e aqui entramos novamente no assunto) na feitura da Palmeira. Na Palmeira têm TODOS lugar: crentes, agnósticos, ateus, nem-uma-coisa-nem-outra, dotados de capacidade literária e menos dotados literariamente falando. Uma condição: Liberdade de ideias e respeito pelas pessoas na sua diversidade. As ideias combatem-se. As pessoas respeitam-se. A Palmeira não tem complexos de qualquer índole. Aceita todos os “odores” desde que não firam a pituitária de ninguém! Somos um grupo tão diferente que toda a diferença deve ter lugar! A Palmeira já atingiu a maioridade e, por isso mesmo, a experiência lhe ensinou que todos e cada um de nós tem o(s) seu(s) credo(s) que alimenta como absoluto(s) e a quem se agarra para não fenecer abandonado numa esquina qualquer.

 

e) As cores da Palmeira

Entendo o que queres dizer, Aventino. De facto, desde que passámos a publicar a Palmeira a cores (há coisa duns 3 ou 4 números) temos seguido a orientação do Barros que, por formação profissional, nos tem orientado. Esta orientação tem optado por, em cada nº, escolhermos uma cor diferente que se define pelo background do título “Palmeira” em conjugação com a ilustração da 1ª pág. Por exemplo, neste último nº há quatro cores (amarelo, azul, magenta e castanho) três das quais se repetem ao longo dos artigos: azul, magenta e castanho.

Mas concedo que talvez pudéssemos optar por um só grupo de cores durante um ano  inteiro. Talvez houvesse mais “unidade”? Não sei..

 

4. O que há a fazer

a) “A Palmeira é pequena em dimensão”, dizes. E acrescentas: “Uma revista com 50 páginas, pelo menos.” Quem nos dera!, digo eu.

Mas, também aqui o ideal se afasta da realidade. Olha só:

Cada edição da Palmeira (com 20 páginas) custa 1.220 euros.

As nossas contas: Resultado negativo do ano 2012:  € 913,51.

 

b) Colaboradores.

O que sugeres é mais ou menos o que acontece. Há já os que tu apelidas de “permanentes” e os outros que vão aparecendo sempre que os convido. Alguns, como disse atrás, inibem-se porque, dizem, não ter a qualidade literária que julgam necessária para não “ficar mal perante os outros”.

A “obrigação ética” não me parece ser um caminho motivador.

 

c) Criar rubricas.

É uma ideia a voltar a explorar. Lembras-te das rubricas “Porque saí?” e “Porque entrei?” Depressa acabaram por falta colaboradores. Das rubricas iniciais só resta “A Solidão dos Agapantos”. Mas vou ter essa sugestão em conta.

 

Quanto às outras duas alíneas penso que já falei ao longo do texto.

 

Aventino, abriste a antena. Só tenho que agradecer-te. Sinceramente.

É de esperar que outros se manifestem seguindo os temas e questões que levantaste. Expus livremente a minha opinião mas estou aberto a aceitar toda e qualquer sugestão que seja consensual.

Grande abraço e Bom Ano de 2014.

2013-12-29

José Manuel Lamas - Navarra - Braga

Pensava eu voltar só em 2014 mas depois de ler o Assis, não pude ficar calado e por isso, cá estou mais uma vez em 2013.

Meu caro amigo Assis. Se aprecias o café doce e quente, fica sabendo que estás muito bem encaminhado para te apresentares como bom apreciador.

Sei de fonte fidedigna, que o café para ser bom, tem que ser negro como a noite, quente como o inferno e doce como o amor. Como bem podes verificar, estás quase lá. Dos três predicados que um bom café pode ter, dois já constam na tua tabela de preferência. Falta muito pouco para te poderes assumir como grande apreciador. continua a praticar.

mais uma vez bom ano p'ra todos e aquele abraço.

Zé Lamaswe 

2013-12-29

Assis - Folgosa

O pacotinho de açúcar

 

Tomava há dias na foz do rio Âncora, calmamente, o meu cafezinho do almoço, como sempre com açúcar. Não me considero grande apreciador de café, pois sempre ouvi que 'um bom apreciador tem de o tomar sem açúcar'. Mas não sou perito no que ao café se refere, como o não sou na escolha de um "bom" vinho ou de um "bom" gim, ou mesmo de uma "boa" lampreiada. Sei, todavia, quando todos eles me agradam ou não agradam, pelo seu odor ou sabor. Cheiro, saboreio e tanto me basta: Gosto, ou não gosto...não mais. Aprecio, todavia, a boa companhia de quantos me acompanham.

Sim, tomava tranquilamente o meu cafezinho bem quente - se assim não for ele para mim pouco vale - e já me dispunha a colocar no prato o papelito que antes servira de saqueta ao açúcar. As cores do animal nele representado chamaram-me para que o examinasse com alguma curiosidade. Eram de fogo e, como labaredas, elas transportaram-me às "anharas" do leste de Angola. Àquelas planícies imensas onde nas noites de seca íamos à procura de uma peça de caça que matasse a fome aos 46 militares que faziam pela vida no meu destacamento. Estávamos fartos de chouriço com arroz e arroz com chouriço...Olhei e voltei a olhar a imagem da onça do papepito. Estendi-o sobre o vidro da mesa e com a ajuda de dois dedos procurei volvê-lo ao tamanho inicial para melhor apreciar a beleza daquele  animal. Só então me apercebi da frase que nele havia escrita: "solta a fera que há em ti".

Foi este o mote e não o sabor do café que me inspirou para escrever estas breves linhas.

Todos nós, os AAARs, por muito que tentemos esquecer, fomos prisioneiros dum determinado tempo. Não temos dúvida, somos frutos desse tempo. Mas somos também frutos de árvores generosas que nos abrigaram e nos alimentaram em épocas difíceis. Uns mais do que outros é certo. Resta-nos - o tempo é já pouco - o trabalho de soltarmos a fera que segue dormindo em nós, sermos Livres.

Neste fim de ano e época festiva de Natal, onde a "divindade é o menos" como diz o Torga, relembro, a quem o possa fazer, a leitura de um outro menino Jesus não menos belo, o de Fernando Pessoa. Poderá ser até escutado na internete pela voz de Maria Bethania. Uma interpretação que julgo excepcional.

Dois poemas prenhes de Humanidade. Poemas onde sentimos que seus autores soltaram suavemente a "fera" que inquieta dormia no mais íntimo deles mesmos.

Nas intervenções destes últimos dias a "fera" - nada perigosa...ela não morde...- foi solta por alguém(s), para bem de todos, nas linhas escritas no "fale connosco". Todos nós devemos alegra-nos que assim tenha acontecido. E que outros mais venham no Novo Ano e se anunciem em Humana Liberdade.

BOM ANO !


2013-12-28

AVENTINO - PORTO

A PALMEIRA

1.Considero que são  OITO os ELOS que unem os AAR´s e argamassam a ASSOCIAÇÃO: o afecto, um passado comum, o Site, os Grandes Encontros Anuais, os encontros locais, as tertúlias de alguns grupos, A Palmeira e um Elo mais ou menos inexplicável que não tem cor, nem cheiro, nem sabor, mas que paira constantemente sobre o nosso universo dos AAR´s. 

2. Nós sabemos que os povos das periferias (como os portugueses) são, genética e animicamente, menores. Mas os AAR´s são do melhor que há na sociedade portuguesa. Inteligentes, cultos, generosos e honrados. Cumprimos e continuamos a cumprir Portugal. Produzimos riqueza, geramos e criamos filhos. Lutamos pelo amor, lutamos pela liberdade e pela tolerância, somos abertos à diferença, à crença e ao ateismo, ao igual e ao desigual.

Não tenhamos medo de afirmar que um dia, o professor ou o padre chamou os nossos pais e, do silêncio da pobreza das nossas famílias, arrancou-nos das veredas da miséria e da ignorância, para nos anunciar um mundo melhor.

Para padre?!, perguntou o meu pai a esse maravilhoso ser que se chama Orandino. Para o seminário, respondeu-lhe Orandino. Porquê? Porque já então nos reconheceram que a criança que éramos, mais ano menos ano, haveríamos de ser o HOMEM de qualidade que somos.

3. Então falemos de A PALMEIRA:

a) Todos nós temos reconhecido o labor, o empenho, a dedicação e a grandeza desses nossos companheiros que a labutam e que a têm feito o marco que marca a nossa história, o nosso passado e certamente o nosso devir. Para eles nunca é demais expressar louvor e gratidão, glória e penhora pelo que têm trazido aos nossos corações. Mas pediram-nos que falemos da A PALMEIRA, criticando, o bom, o mau e o assim-assim.

b) Nunca gostei do nome e manifestei-o várias vezes. O nome A PALMEIRA não traduz nada de um redentorista, tem um leve sabor biblico e, àparte haver uma palmeira à entrada da Quinta da Barrosa, nada mais representa na formação que recebemos desse lugar de que falamos. Sugeri, outrora, outros nomes para a revista, porventura, melhores, porventura piores, quais sejam, O Bosque, O Elo (chegou a haver um jornalzeco interno com este nome) mas o que mais me agradou, sempre, foi a inexistência de título nenhum: apenas, Revista dos Antigos Alunos Redentoristas.

c) A qualidade dos seus textos é apenas suficiente sem desprimor, naturalmente, para um outro escrito de muito boa qualidade. Há exigência na ortografia e na sintaxe, mas não há inovação, nem diversidade, nem universalidade. Cinco minutos depois de a teres recebido, A Palmeira morreu. Quem a lê, que não seja um Redentorista, não a lê. Põe-na de lado e diz, simplesmente, "coisa de seminaristas".

d) A PALMEIRA é, com certeza, um instrumento de união entre os AAR´s mas também, claramente, um instrumento de separação e de rejeição por parte de muitos dos que percorreram os mesmos trilhos do nosso percurso. Há tantos, tantos, que, com base em A Palmeira apenas, não se querem envolver na AAAR. A PALMEIRA tem, quase sempre, um odor a Padre, à Igreja, à religião e a um tempo e sentir que muitos querem esquecer. A PALMEIRA não pode ser a evocação do passado nem um triste sentir da infelicidade. A PALMEIRA só pode ser o NOVO, o criativo, o futuro. A A Palmeira navega, hoje, na sua imagem, nas mesmas águas da MÍRIAM, do REDENTOR, da IURD e de tantas outras publicações de diversos credos que, tantas vezes nos entopem as nossas caixas do correio. A A Palmeira é, parafraseando o direito civil do ordenamento jurídico português, uma "menoridade".

e) A Palmeira percorre todas as cores do arco-iris, com cor e diversidade de cores a mais, sem uniformidade que lhe marque um estilo do princípio ao fim, assemelhando-se, muitas vezes, a um panfleto comunista ou fascista, de supermercado, do El Corte Inglês ou da tabacaria do senhor Gomes que agora serve frangos de churrasco até às 23 horas de todos os sábados. A A Palmeira é pequena em dimensão, parca em exigência, redutora na criatividade. Os AAR´s são capazes de muito mais e de muito melhor. Os AAR´s são pessoas de grande qualidade e essa qualidade não tem vindo a ter paralelo nesta publicação.

4. O QUE HÁ A FAZER?:

a) Uma revista com 50 páginas, pelo menos.

b) Constituir alguns escritores permanentes e os demais por convite, por sorteio, por exigência, por qualquer forma que crie nos AAR´s a obrigação ética de, ao menos uma vez na vida, trazerem a sua voz à revista.

c) Criar rubricas, como tantas outras publicações fazem. Rubricas de: "poesia", "crónica", "conto", "a minha vida", "o pensamento filosófico", "culinária e sabores", "viagens", enfim, uma infinidade de temas que seduzam o AAR e o incentivem a trazer aqui o seu pensamento, o seu percurso de vida e da sua família, quem é, o que foi e o que espera do resto dos dias. Rubricas que provoquem o AAR e o levantem dessa letargia que se agrava a cada dia que passa. Rubricas que cativem os AAR´s mais novos a participarem e modificarem o seu actual pensamento que "esta coisa é coisa de padres". Já repararam, porventura, que não há AAR´s activos após os anos 66/67 de entrada no seminário? Ora, a A PALMEIRA é a única voz que pode fazer muito por essa conversão.

d) Criar um prémio, uma distinção, um concurso que venha a distinguir o melhor texto, a melhor participação, o melhor AAR em cada revista.

e) Revolucionar e acabar com essa a IMAGEM clerical e "coimbrinha" que ela tem. Um novo style, um novo look, uma plástica que revele a nossa modernidade e irreverência ao mundo da nossa adolescência que tudo nos deu e tudo nos roubou.

f) Finalmente:

"Para ser grande, sê inteiro. Nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes. Assim, em cada lago, a lua toda brilha, porque alto vive" (Ricardo Reis)

2013-12-28

A. Martins Ribeiro - Terras de Valdevez

Dado faltarem apenas uns dias para terminar mais um ano, aqui venho deixar aos meus companheiros e amigos os mais sinceros desejos de prosperidade para o ano que vai entrar e, por caber no propósito, vos transcrevo um trecho que rabisquei em ocasião semelhante; quando muito, creio eu, poderá servir para evocar recordações doutros tempos porventura mais esperançosos:

                         UMA NOITE DE S. SILVESTRE

A noite desfazia-se em chuva miudinha e insistente mas nem por isso detinha as pessoas que afluíam em número elevado ao quartel dos bombeiros. E qual era a razão? Que havia lá dentro? Um baile de fim do ano. 

As paredes do salão estavam adornadas com aguarelas representando pares dançantes, envoltas em multicolores fitas de papel, serpentinas e folhas de azevinho pintadas com purpurina. Ao fundo, sobre um palco de madeira, uma orquestra espanhola animava a dança com sons dinâmicos e trepidantes ou com melodias de sonho, uma para os foliões a outra para os enamorados. Á volta sentavam-se as damas esperando que os cavalheiros presentes as fossem convidar para a 

dança. Reunia-se ali toda a alta roda da sociedade daquela Vila. Jovens raparigas, trajando de formas diversas, segundo o costume ou com vestidos adequados ao próprio evento, feitos de tule e rendas brancas, procuravam dar ao ambiente uma aura de sonho e bem-estar, enriquecendo-o com a beleza dos seus rostos joviais. E qual seria o homem que deixaria de sentir grande entusiasmo ao contemplar aqueles decotes espaventosos e ousados no meio do rodopio dos “pasodobles”, do embalar da valsa, do romantismo dos tangos ou nos ademanes de loucura dos “mambos” e “swings” que contagiavam até os próprios músicos? O salão era calorento e abafado, embora a noite fosse fria. 

E foi nessa festa que conheci certa jovem: os seus olhos pareciam duas safiras cintilantes, os lábios lembravam dois pedaços de rubi acentuado, os seus cabelos negros de azeviche macios como seda e todo o seu busto mais sensual que o das esculturas dos geniais artistas gregos. Estranhamente não trazia vestido de baile feito de gaza e tule, mas toda a sua postura exercia mais fascinação que esses trajes postiços, tornando-os secundários. Convidei-a e ela acedeu no preciso instante em que os violinos estremeciam na doçura dum tango e naquele alheamento da beleza, do amor e da felicidade dos seres que se adoram, não foi muito o tempo até que os nossos lábios se tocassem num beijo furtivo. Assim fomos rodopiando toda a noite, apertando cada vez mais os corações e juntando as almas. 

Alta manhã já era e a chuva já não caía quando terminou aquela noite e com ela mais um ano das nossas vidas. Quantos puderam considerar essa feliz entrada como augúrio de ventura? Muitos talvez, mas sobretudo aquele par que se conheceu ali entre melodias e se enlaçou de tal forma que nunca mais se vieram a separar. 

Algum tempo decorreu depois deste episódio quando, em certa tarde de verão, um alegre cortejo se viu passar pelas ruas daquela Vila. Ele trajando de negro, ela toda de branco, então já com elegante vestido de rendas e tule, enquanto os sinos repicavam a anunciar o casamento do par dançante da feliz noite daquela passagem de ano. 

E foi junto do altar sagrado, não a ouvir os tangos e boleros mas ao compasso de uma solene marcha nupcial tocada no órgão do templo, que se juntou o amor declarado naquela fria noite de S. Silvestre. 

                                            ......

 

Arcos de Valdevez, Janeiro de 1956 

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