A PROMESSA
Quando se cumprem as promessas fica-se bem e com a consciência tranquila.
E foi o caso que, estando hoje em minha casa a tentar combater aquela azucrinante e corrosiva rotina, eis que surge no meu telemóvel a versejante mensagem de um nosso companheiro:
Fugi da beira-mar
Que a coisa por lá está preta,
Aos Arcos vim parar
Na praia da Valeta.
Nem foi preciso adivinhar quem seria pois logo percebi que, a versejar daquela maneira, só podia ser o nosso amigo Lamas mais a Dª.Argentina que estavam mesmo ali em frente da minha casa. Foi uma grata surpresa, na verdade, dizendo que tinham fugido da Apúlia onde foram saborear umas gostosas sardinhas, corridos por desagradável ventania marítima e dando-lhes assim aso a que, dessa forma, pudessem cumprir o prometido de, em qualquer dia, (que chegou) me fazerem uma visita. Só que estas coisas das surpresas têm os seus inconvenientes porque, ás vezes, nos deixam ficar mal e a verdade é que fui apanhado um tanto desprevenido em matéria de provisões, pois não sou produtor de nada. Porém, lembrei-me de que tinha no frigorífico a tal oportuna e salvadora garrafa de alvarinho, fresquinha e chamativa, que logo me acalmou o nervoso miudinho do eminente fracasso. Mas, oh desgraça, se aparentemente me senti salvo foi apenas uma ilusão pois á pinga parece que lhe tinham dado as sezões de qualquer febre amarela. Mas enfim, ficará o desejo de que noutra altura a situação venha a melhorar substancialmente. No entanto, o que contou foi mesmo o grande prazer e a subida honra que esses amigos nos deram, gesto que de todo o coração agradecemos. E, claro, deu tempo de sobra para revivermos tempos passados, desde o recanto da Barrosa até ás desabrigadas e extensas planuras da vida. Como não podia deixar de ser, vou terminar pagando-lhe, para já, na mesma moeda:
Foi uma grata partida
Que o Lamas me pregou:
Mas vai ser retribuída
Como assim se combinou.
Caros confrades, não sei bem de que confraria mas esta palavra agrada-me por ter fratres na sua etimologia.
Distintos "ex-reclusos", expressão, ao princípio, estranha para mim mas afeiçoei-me a ela porque, se não todos, a maioria de nós reintegrou-se e reinseriu-se com vantagens pessoais. E, pelas afinidades e amizades criadas e permanecentes, essa prisão ou reclusão afirmou-se e enobreceu-se.
Agora, porque me anda cá uma espinhazinha atravessada na garganta, aturai-me lá algumas referências ao nosso encontro de Beja.
Acerca dele, o Peinado e o Arsénio já disseram quanto me agradaria ter eu dito, e o M. Ribeiro mostrou a maestria que eu lhe invejo, mas...
Amigos Vaz e Alexandre, passei um calor do caraças para a minha idade e moléstias precocemente acumuladas. Pela segunda vez seguida e consecutiva aconteceu-me isto: tive de pedir ajuda médica depois dos nossos encontros.
Dou notícia disto mas não me queixo, apenas quero que no livro de reclamações fique registado: se algum dia mais ameno for para os lados de Beja ou de Oliveira do Paraíso, acho-me no direito de incomodar e dispor, até onde for possível, da afabilidade destes amigos anfitriões.
Deixo no esquecimento formal, que não no afectivo, aqueles outros colaboradores indispensáveis mas habituados já a um segundo plano de especial relevância.
Apesar do que deixo dito, com a sinceridade e a intensidade permitidas e possíveis na minha idade de sessenta e sete anos, garanto-vos que o tempo dos nossos encontros me é tão leve e tão breve como o tempo psicológico do amor.
Se não houver impedimento maior, ver-nos-emos no próximo encontro de Gaia.
Apercebendo-me, cada vez mais, das diferenças substantivas que o nosso Seminário foi para cada um de nós em termos de presídio, para mim, aquele edifício, aqueles muros e as pessoas que lá encontrei permanecem como uma das referências preferidas na minha memória e afectividade.
Sugestão final:
E se com aquela arte, habilidade e sinceridade com que pela primeira vez enganámos as nossas esposas, lhe pedíssemos que organizassem elas um dos nossos próximos encontros com direito a fazerem-nos aquelas perguntas...
Desconhecemos tantos assuntos relacionados connosco, o que se passará com elas?
Uma surpresa, uma confusão, um sucesso?
Só o saberemos se esse encontro for realizado.
Valete, fratres.
Apareço para dizer que já visionei, em família, o filme que o Martins Ribeiro fez sobre o nosso Passeio a Beja.
Como sempre, a sua mestria plena de arte, não só na filmagem como na montagem e produção deste filme-documentário, foi brilhante. Resumiu na perfeição este nosso memorável passeio e visita a Beja e arredores.
PARABÉNS, Martins Ribeiro.
Obrigado pelo teu trabalho e partilha.
Para mais tarde recordarmos!
O silêncio da palavra!...
Os homens acorreram à praça
falaram e esbracejaram para ajudar a palavra
hoje queremos falar,
falar a sério daquilo que tantas vezes tentámos
não estamos a conseguir terminar a fala tão desejada.
Estamos todos muito cansados:
tantas gerações de homens a fazerem tantas tentativas
chegam à soleira da porta para falar
e não chegam a entrar.
Desconfiam dos que estão lá dentro.
Querem a praça pública.
É lá que queremos o encontro.
Hoje queremos falar.
Falar de algo importante
Sempre tentamos falar dela, dessa coisa tão desejada.
Desde sempre perseguimos esse objectivo.
Mas, quando alguém está quase a entrar em cena, o palco muda de cenário e,
enquanto muda e não muda, cansamo-nos da espera e prometemos regressar,
quando estivermos com melhor disposição.
Força, falta de força é aquilo que temos.
Desanimamos à boca da cena e não entramos na praça.
Apareceu um magote de homens um pouco nervosos, mas sem necessariamente um chefe.
Em coro pronunciaram em voz gasta, que eu mal entendi, pareceu-me que diziam:
queremos a verdade.
Verdade, que palavra tão gasta. Já tinha ouvido várias versões desta “léria”. (Na Grécia clássica dizia-se – Aletheia – a verdade do ser, episthemé – verdade científica . Os gregos, segundo dizem, naquele tempo, entenderam-se. E até venceram os Persas em várias batalhas: Salamina, vencida com engenho de pequenos barcos, o Rei Leónidas, nas Termópilas, depois e quase sempre guerras entre cidades – pólemos, quer dizer, guerra, a Troia homérica, uma polémica sobre o amor ou o orgulho, a falta a que o gregos chamavam “hybris”, o ideal era a virtude – a arethé – no meio estava a virtude, a reta razão – orthós logos. O desgosto de um ideal de beleza e bondade – kalós kai agathia).
Mas nunca ousamos um gesto digno deste nome.
Sempre usamos tantas palavras, mas ficamos sempre órfãos…
somos um ímpeto, uma força, um sentimento, um instinto.
Mas a verdade?!... Calma aí!...
Pronunciar esta palavra implica dignidade.
A palavra é ver-da-de.
Ver-da-de bem soletrada, sentida, pensada, usufruída.
Dita e pronunciada em todas as línguas e de muitas formas
e ainda mais os sentidos figurados: metáfora, imagem, alegoria.
Qual será a forma menos imoral ou amoral de a pronunciar?
Porque ela pronuncia-se de tantos modos e matizes
que estamos descrentes deste desejo que ela criou em todo o ser humano.
Queremos a verdade da verdade
a palavra verdadeiramente pronunciada.
Não a palavra travestida, disfarçada, em jeito de mansa, ludibriada, num fato bem dimensionado, pronunciada, numa voz bem timbrada, da saudação, do pensamento negado, conluiada, nas palmas dos camaradas, alteada, pelo tom do riso e da ironia de ser tão mal percebida, angustiada, pela necessidade de ser tão desejada, descrente, de tantas vezes enganada, solitária, por não se poder confiar, apoiada, encostam-se a Deus ou aos deuses para que alguém os creia, caiada de branco, para parecer puro o enunciador, séria, por tantas e outras tantas vezes ser negada, fáustica, mania de a pintar maior do que é, fatalística, oxalá e assim seja, alienada, recurso à citação de tão diversificada, vaidosa, encanto da forma pelo conteúdo, frontal, a verdade única, eclética, misturada com outros saberes, fechada, a mónada de Leibnitz, dialógica, interceção de diferentes pontos de vista, metafísica, assente numa categoria geral, pirronista, parece e não é, cética, desconfiada de todos os enunciadores, de tantos enunciadores e tantos e diversos enunciados, tantos quantos os ousados e abusadores da paciência do auditor.
Morte à(s) palavra(s). A essa palavra misturada de tantas palavras.
Porque não pedimos um pacto com o silêncio da verdade da palavra?!...
Cidadão, cala-te.
Não fales sobre essa coisa que queres dizer, que tens desejo de dizer.
Cala-te. cala-te. mil vezes: cala-te. CALA-TE. C A L A -T E. Te. Cala.
Não consintas que se fale. Quanto mais falas mais te afundas.
O descrédito está na ordem do dia.
Fecha a porta. Fecha a boca.
Não ouças. Não queiras ouvir.
Fecha a mente. Entra dentro de ti e sente-te vazio e aconchegado.
Pensa sem referências. Entra no ermo que está em ti.
Escuta-te na ausência de tudo.
Everything is a big noise! Many voices are growing to your ear.
Stop!...
Nicht vahr!... (não é verdade)
Quanto mais ouves menos percebes.
Não discutas.
Não entres em polémica.
Pede-se o silêncio da palavra.
A palavra pesa demais.
A palavra doi.
O pensamento doi.
Agarra-te a ti, segura-te bem.
Para lá de ti fica o abismo.
Ama-te como só tu te sabes amar.
Silencia tudo à tua volta.
O silêncio é de oiro.
Ama o silêncio.
Sente a palavra em ti.
A fonte da palavra és tu
no silêncio da tua palavra.
Desce dentro de ti
E vê-te na brancura do teu eu.
Consegues?
Então se consegues, fala disso.
Senão, silêncio.
Silêncio.
O silêncio é a palavra branca.
És capaz de a pronunciar?
O silêncio é a verdadeira palavra branca que pode nascer em ti.
Ismael Malhadas Vigário
Caros amigos e companheiros: venho aqui apenas para vos informar que já podeis visionar o filmezito de Beja há pouco colocado pelo nosso Presidente Né Vieira na respectiva secção. Suponho que, de um modo geral, está mais ou menos, porém, foi o que se pôde arranjar.
Grande abraço para todos.
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