2014-12-30
Castro - Penafiel
TRAUMAS? A minha primeira vez...
Seria cedo porque a minha mãe estava na cama. Ou então era cedo para ver o dia nascido sabendo o seu unico menino não estaria por ali a asneirar. A minha mãe estava a chorar quando me abraçou e beijou não sei quantas vezes e eu também comecei a chorar. Foi a segunda vez que a vi chorar. A primeira vez foi por causa de uma dor de dentes que a torturava.
O meu pai estava ali ao meu lado. Seria Outubro de 1968 e nesse dia o meu pai certamente muito a custo, fez questão de viajar de camioneta para me acompanhar até ao Porto. De motorizada seria bem mais fácil, mas o dia era especial. Também para ele seria um dia inesquecível. Morreu, sem que tivessemos partilhado as nossas emoções desse dia. Sem eu ter sabido, o que ele recordava desse dia.
Por volta das nove horas apanhamos na Torre (junto ao hotel), a camioneta que seria do "Almeida e Filhos", "Alpendurada" ou "Escamarão".
Poucos Km tínhamos percorrido instalados nos nossos lugares. O meu pai à janela e eu do lado do corredor. Ele não gostava de andar de camioneta. Estavamos sentados do lado direito.
Sem que alguém pudesse compreender o que estava a acontecer, o meu pai levantou-se até que as pernas mais não dessem e, inclinado para trás, em completo desiquilíbrio, começou aos gritos sem nexo. Berrava exactamente como eu já o tinha ouvido a berrar aos coelhos para que não se mexessem, quando os encontrava na cama.
Mas não estavamos à caça. Não havia coelhos. E nunca se tinha vomitado todo enquanto lhes berrava. Tombou para o lado e desmaiou.
E eu? Chorava. E a camioneta? Continuava. Havia um horário a cumprir e de qualquer forma, não havia "INEM" ou telemóveis a não ser os dos filmes do "Santo".
Em Penafiel se decidiria o que fazer.
- "Para onde vais com o teu pai"?
- "Vou para o seminário".
Entretanto o meu pai com umas bofetadas voltou a ele. "Quer sair? - Não! Vou levar o meu filho ao seminário a Vila Nova de Gaia. Já estou bem"... e eu, chorava.
Depois ajudado, limpou a camisa e o fato. Eu calei-me e a viagem continuou. Não me lembro de termos falado na viagem.
Quando pela primeira vez na vida vi o Porto tudo foi novidade. Tantas casas e tantos carros... Muito mais que em Penafiel onde já tinha ido por diversas vezes.
Mas nem tudo foi mau nessa viagem. Também recordo com o mesmo pormenor o nosso almoço. Não sei onde, mas foi numa pequena tasquinha que presumo seja ali bem perto do Teatro S. João. AS MELHORES TRIPAS DA MINHA VIDA. Nunca tinha comido coisa assim tão boa e como o meu pai pouco comeu... mais pude comer eu.
Depois de almoçar e com o meu pai recomposto fomos de táxi para a Rua das Devesas.
Ali chegados, despedi-me do meu pai que me beijou emocionado. Eu... chorava. Penso que foi o segundo beijo que dele recebi. Muitos mais vieram nos anos que se seguiram mas esse tenho quase a certeza que foi o segundo. O primeiro foi na minha comunhão solene e eu não chorei.
O meu pai saiu para uma viagem de regresso, certamente mais que penosa. Um dos prefeitos, apresentou-me o que viria a ser o meu "anjo". Pode não ter sido o melhor "anjo"do seminário mas foi o meu e por isso ainda hoje lhe estou grato. O nosso colega ALBINO COELHO LOPES. Mora hoje na Rua da Formiga nº 69 da freguesia de Campanhã.
TRAUMAS? Esta foi a minha primeira vez. TRAUMAS? Quem os não terá?
Mas, a vida continuou sem muito espaço para lamber feridas. Ainda bem que no meu percurso de vida tenho esta história para contar, pois sem essa primeira vez, provavelmente nunca teria ido estudar.
Ao Seminário devo sem qualquer trauma, no mínimo um MUITO OBRIGADO!
Para vós (em particular para as mentes mais perversas...) um GRANDE ABRAÇO E UM BOM 2015.